Há um paralelo entre o atentado
em Bruxelas e o que acontece nas redes sociais no Brasil. Quando um fato de
grande repercussão social ocorre, o primeiro impacto é o congestionamento.
Todos buscam se comunicar, gerando sobrecarga nas linhas de celular, tornando o
acesso à internet móvel lento ou inexistente. Diante disso, vários provedores
de internet na Bélgica abriram conexão livre por meio de redes wi-fi, com
capacidade muito maior, para escoar parte do tráfego.
Logo a seguir vem a onda de
incerteza e desinformação. No anseio da busca por notícias rápidas, começam a
circular na rede vários dados falsos ou imprecisos, que são replicados
massivamente. Estudos mostram que as informações falsas circulam três vezes
mais que as corretas, publicadas depois. O dano é enorme.
A recomendação nesses casos é
contraintuitiva: não replicar qualquer informação sem checá-la antes. Evitar o
desejo de "participar" do acontecimento retuitando ou compartilhando
informações vindas de fontes não confiáveis, por maior que seja o número de
pessoas fazendo o mesmo. Nesses momentos de grande comoção e agitação,
extremistas com agendas políticas deletérias aproveitam para fazer circular
suas mensagens. Esse é um dos principais efeitos desejados pelo terrorismo
contemporâneo: criar uma situação de grande agitação na internet e pegar carona
nela para disseminar sua mensagem.
Situações como essas
transformam as pessoas em veículos. Viramos agentes de disseminação ampla de
mensagens pré-fabricadas, produzidas intencionalmente por algumas poucas fontes
que sabem exatamente o que estão fazendo. Essa é exatamente a estratégia do
Daech (o grupo que se autointitula "Estado Islâmico"). No artigo
"Digital Counterinsurgency: How to Marginalize the Islamic State
Online" (contrainsurgência digital: como marginalizar o Estado Islâmico
on-line), Jared Cohen, do Google, identificou que a maioria das mensagens do
Daech nas redes sociais originam-se de poucas páginas e perfis no Twitter. Elas
produzem o "marketing" político do grupo, que é então replicado por
seguidores transformadas em meros veículos.
O Brasil tem vivido um
permanente "estado de emergência". Mutatis mutandis, essas mesmas
dinâmicas estão acontecendo entre nós. Um grande número de mensagens
pré-fabricadas, geradas cuidadosamente por marqueteiros políticos de um lado e
de outro, circulam todos os dias, chegando a você e a mim.
O objetivo não é o debate, mas
mera ocupação de espaço. São teses e antíteses incapazes de produzir qualquer
síntese. Não passam de narrativas pré-concebidas com o objetivo de ocupar
espaço. Quem quer debater de verdade (acredite, há muita gente querendo) fica
marginalizado por esse estado de coisas. Muita coisa precisa mudar no Brasil.
Entre elas, a necessidade de reclamar nossa esfera pública, hoje sitiada.
Ronaldo Lemos - advogado e diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ronaldo@itsrio.org