A gestão
da velhice é uma atribuição que poderia soar vaga ou supérflua no Brasil há
algumas décadas, quando a preocupação com a qualidade de vida e o destino de
uma crescente população idosa parecia distante.
Não
mais.
O
envelhecimento rápido dos brasileiros é um fato já analisado por especialistas,
seja sob o ângulo econômico e previdenciário, seja sob o ponto de vista médico,
psicológico ou social, assim como em outras áreas de estudos.
Os
“gestores da velhice” surgiram com a criação do curso de Gerontologia na
Universidade de São Paulo (USP), em 2005, e atualmente integram equipes
responsáveis por políticas públicas, começando a ser contratados também por
empresas privadas.
A
Professora Doutora Rosa Chubaci, Coordenadora do curso de bacharelado em
Gerontologia e Professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, é
uma profunda conhecedora de políticas públicas para a velhice.
Nesta
entrevista, ela fala sobre os avanços da Gerontologia, e como essa
especialidade pode contribuir para que o Brasil administre melhor temas como
saúde, previdência, bem-estar e condição social dos seus idosos.
O
envelhecimento da população brasileira tem sido rápido e dados demográficos
indicam que esse ritmo continuará acelerado nos próximos anos. Quais são os
impactos desse processo? Rosa Chubaci - O número de idosos no Brasil já supera
os 30 milhões, representando cerca de 14% a 15% da população. Isso significa
que as demandas biológicas aumentam e trazem a necessidade de atendimento a uma
série de doenças crônicas. A evolução da prevenção às doenças faz com que as
pessoas vivam mais.
Porém, é
preciso planejar corretamente para saber lidar, agora, com demandas sociais e
psicossociais. As necessidades crescem à medida que aumenta a população acima
dos sessenta anos de idade, em parte, por conta da nova estrutura familiar,
pois há hoje um número menor de familiares que possam cuidar dos idosos
dependentes, por exemplo. O número de filhos, que era de quatro ou até cinco
por família alguns anos atrás, caiu para um, dois ou até mesmo zero. Além
disso, há todo um envolvimento social necessário para as pessoas com sessenta
anos ou mais. Esse é um aspecto importante para a qualidade de vida dessa parcela
crescente da população, uma vez que muitos acabam se afastando do seu meio
social com o início da aposentadoria. Como resultado, surgem as doenças e até
mesmo a depressão.
Aposentadoria
é vista como uma etapa negativa na vida dos idosos?
Rosa
Chubaci - O valor das aposentadorias no Brasil é insuficiente em muitos casos,
fazendo surgir questões ligadas ao atendimento de saúde ou mesmo às
necessidades de lazer, que podem produzir frustrações nas pessoas que
pretendiam usar a aposentadoria para viajar, por exemplo, e percebem que as
condições financeiras não permitem. Como fazer com que essas pessoas não fiquem
frustradas ao precisarem equacionar suas vidas com metas diferentes? Uma
velhice bem-sucedida e saudável envolve diversos aspectos, mas tudo precisa ser
bem planejado.
Qual é o
objetivo do curso de Gerontologia?
Rosa
Chubaci - A
Gerontologia forma gestores de envelhecimento a partir de três ângulos básicos.
O da microgestão estuda a situação do idoso em relação à família, como planejar
sua vida para a velhice e a aposentadoria desde cedo nesse ambiente, ajudando
os familiares a trabalhar em equipe. Na mesogestão, é avaliado o gerenciamento
de serviços disponíveis na sociedade, como a educação gerontológica desde a
infância, o combate aos mitos relacionados à velhice; estímulo às relações
intergeracionais, além do enfoque nos serviços de saúde. Na macrogestão,
discute-se as políticas públicas existentes para lidar com a população idosa; a
existência e funcionamento d
secretarias
e coordenadorias; criação de programas públicos e cumprimento do Estatuto do
Idoso, entre outros aspectos. Na base desse conceito mais amplo está o fato de
que o envelhecimento é um processo inevitável e a velhice apenas mais uma etapa
da vida. Como tal, precisa ser estudada em todos os seus aspectos. É necessário
descartar o estereótipo do velho como “pessoa fora de uso” e apostar na
continuidade de uma vida ativa e prazerosa.
Como a
Gerontologia pode ajudar a melhorar a gestão do envelhecimento no Brasil?
Rosa
Chubaci - Os
cursos de bacharelado em Gerontologia surgiram em 2005 tanto na USP Leste
quanto na Federal de São Carlos com o objetivo de suprir as complexas demandas
do envelhecimento. A própria criação desses cursos em universidade pública
demonstrou a maior preocupação com o tema no Brasil. De lá para cá, temos
gerontólogos - com doutorado e mestrado - que atuam em vários setores, junto a
governos e prefeituras, instituições de longa permanência, centros-dia para
idosos que não podem frequentar os centros públicos de convivência, projetos de
envelhecimento ativo, entre outras iniciativas. Na área privada, esses
profissionais começam a ser contratados por empresas de seguro-saúde para gerir
equipes completas compostas por médicos, enfermeiros e psicólogos.
Há um
grande grupo de seguro-saúde voltado para idosos que conta com pelo menos seis
gerontólogos em seu time. Sua formação é voltada para as questões
biopsicossociais da velhice, englobando o planejamento integral, desde a
família até a montagem de políticas públicas.
Quais os
princípios básicos para o bom planejamento da velhice?
Rosa
Chubaci - Os
gestores da velhice são preparados para administrar a questão da saúde do idoso
de maneira integrada com a família porque é apenas quando surgem os problemas
que se percebe como é difícil para a família lidar com eles sozinha. Há uma
série de sugestões que podem e devem ser incluídas nesse planejamento, como a
prática de atividades físicas, recomendada pela Organização Mundial da Saúde.
Além disso, é importante viver de forma não estressante, ativar permanentemente
a memória, buscar sempre o conhecimento e alimentar interesses culturais e
artísticos. Procurar ter uma alimentação saudável é importante, ter uma vida
social, buscar atividades que tragam satisfação, ou seja, fazer aquilo que se
gosta. Para se ter tudo isso, que parece simples, é necessário programar com
antecedência. A pergunta principal é: “O que você quer para a sua vida aos 65
anos de idade?”. A resposta pode revelar diversas alternativas, desde exercer voluntariado
em atividades que deem prazer até a compra de uma outra casa, a mudança para
mais perto da natureza, viver junto aos amigos, fazer cursos ou participar de
grupos de convivência para estimular a memória, entre tantas outras coisas.
Ativar a
memória e renovar o interesse pelo estudo são metas importantes para garantir a
qualidade de vida na velhice. Como tornar isso possível sem elevar os gastos?
Rosa
Chubaci - A
universidade aberta da terceira idade é uma alternativa importante e sem custos
que tem oferecido uma gama interessante de cursos e atividades. Mas, ainda que
uma determinada atividade não saia exatamente como o planejado, o fundamental é
construir metas mês a mês ou ano a ano. Isso é vital para seguir na ativa de
maneira positiva e saber que a velhice não é necessariamente uma etapa
negativa. Pode ser apenas a meta de fazer uma pequena viagem para visitar
amigos com certa periodicidade ou visitar um parente que vive em outro estado.
Parar de fumar ou começar a fazer caminhadas periódicas, por exemplo, são
objetivos que mantêm o foco e ajudam a cuidar da saúde de maneira simples. Tudo
isso ajuda a afastar a negatividade que prejudica uma vida saudável na velhice.
Qual é o
papel da questão financeira na idade avançada?
O
trabalho dos gerontólogos deve ser integrado ao planejamento previdenciário?
Rosa
Chubaci -
Cuidar da parte financeira e programar a vida para a aposentadoria é um dos
aspectos essenciais do planejamento para a velhice, até porque as pessoas
precisam saber que não vão ficar no mercado de trabalho para sempre. A formação
em Gerontologia inclui a disciplina Economia da Longevidade, que aborda uma
série de temas ligados a esse planejamento. O mais importante é começar a
organizar o lado financeiro e as metas para a aposentadoria o quanto mais cedo,
melhor. A cobertura dos gastos com saúde é uma das principais preocupações.
Será possível pagar um convênio médico? Ou, caso não seja possível, como obter
serviços públicos acessíveis e próximos ao local de residência? Seja como for,
é recomendável que o idoso consiga formar uma “teia” de relações sociais e
familiares que o auxiliem nesse sentido. Além disso, há no curso professores de
Direito, Saúde, Psicologia e outras disciplinas, todas decididas a olhar para o
idoso como um ser integral.
Como é
feita a gestão do envelhecimento nos países desenvolvidos atualmente?
Rosa
Chubaci -
Alguns países desenvolvidos, principalmente o Japão, conseguiram implantar
atendimento de qualidade e todos os idosos têm acesso a serviços públicos,
desde o home care (cuidado em domicílio) até os centros de convivência e grupos
de apoio. Portugal e França também têm experiências interessantes nessa área e
há professores brasileiros estudando de perto esses casos. Eu, até por uma
questão de origem familiar, conheço mais de perto a experiência do Japão e
temos feito parcerias com o governo japonês nesse sentido. Uma delas é um
programa de reabilitação com música para idosos e outra está relacionada à
criação de centros-dia nas instalações de associações japonesas no Brasil.
(O
centro-dia é um serviço social previsto na Política Nacional do Idoso que atende
pessoas com mais de 60 anos que necessitam de cuidados). Acontece que todas as
províncias japonesas têm filiais no Brasil e muitas delas ficam com espaço
ocioso boa parte do tempo. Então, elas serão aproveitadas para criar centros
para a população japonesa e não japonesa.
Qual a
sua avaliação da estrutura de serviços para idosos no Brasil?
Rosa
Chubaci - Aqui
muita coisa já começou a ser feita e está evoluindo positivamente, como o
número crescente de centros-dia e as universidades abertas da terceira idade.
Na USP, por exemplo, essa universidade já tem três mil idosos como alunos, e na
USP Leste há mais de 500 idosos frequentando as oficinas e disciplinas
diversas. O estado de São Paulo tem vários serviços, mas falta homogeneizar em
todo o País. Um dia, todos nós iremos envelhecer e aqueles que estão na ativa
hoje precisam criar mais serviço e políticas para o futuro. A USP é uma
referência em saúde do idoso e mantém um programa de envelhecimento ativo que
inclui a preparação das pessoas para a aposentadoria.
A USP
Leste aderiu ao programa e tem atuado de maneira prática em várias unidades.
Há, atualmente, 150 funcionários preocupados com o planejamento para a velhice.
Além disso, temos um programa de preparação para a aposentadoria junto aos
idosos da universidade aberta da terceira idade, programa que também pode ser
contratado por empresas privadas. No lado não governamental, há uma série de
iniciativas de ONGs voltadas à saúde física e aspectos sociais, assim como em
algumas empresas privadas. Dúvidas sobre o que fazer quando envelhecer podem
encontrar muitas respostas desde que as pessoas saibam o que está disponível na
sociedade e comecem a exigir serviços adequados.
Qual é a
importância da intergeracionalidade?
Rosa
Chubaci - Nosso
orgulho na universidade é ver alunos de vinte anos chegando ao curso com o
objetivo de trabalhar junto aos idosos. Isso é muito bonito porque é importante
para todos a convivência entre gerações diferentes. Na universidade da terceira
idade da USP, vemos o quanto isso faz diferença para as pessoas de sessenta
anos ou mais. Jovens e idosos se completam e aprendem uns com os outros. Temos
também parcerias de estágios em escolas para estimular o contato de idosos com
crianças e promover a educação gerontológica desde a infância.
Os
resultados têm sido surpreendentes. Um ponto fundamental é reforçar a percepção
dos jovens e crianças sobre a velhice como uma etapa a mais de vida, derrubando
o mito de que “o idoso é de novo uma criança”; pelo contrário, trata-se de uma
pessoa que precisa ser respeitada por sua experiência, independente da
escolaridade. Essa criança ou jovem está aprendendo na prática que ser velho
pode ser muito bom. Elas ficam maravilhadas e hoje veem de outra forma a
relação com os seus avós. Alunos de dez a doze anos de idade aprendem que é
importante pensar na velhice e fazer planos para essa etapa.
Para a
Gerontologia, o que é um envelhecimento saudável?
Rosa
Chubaci - É não
sentir solidão, é poder ter a companhia de pessoas queridas, ter
atividades. É amenizar a redução da capacidade funcional, que é
inevitável, mas pode ser bem administrada; é fazer check-ups e conferir a
medicação periodicamente e afastar a negatividade; é construir novas amizades e
ter relações intergeracionais, com uma visão aberta para compreender e conviver
com os jovens. Isso aumenta a plasticidade da vida porque é possível fazer uma
reflexão sobre os outros, os mais jovens, sem preconceitos.
Fonte:
Revista Fundos de Pensão