Soldado pilota drone utilizado pelo
exército em operações em favelas na periferia de Porto Príncipe, no Haiti
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Em 1942, em meio ao desespero da
Segunda Guerra, um dentista chamado Lytle Adams convenceu o presidente
Roosevelt a desenvolver um novo tipo de arma. Sua ideia era pegar morcegos de
um tipo comum nas cavernas do Novo México e fazer com que cada um deles fosse
equipado com uma bomba incendiária.
A partir daí os morcegos seriam soltos por um
bombardeio americano voando em baixa altitude e se espalhariam pelos céus do
Japão de forma aleatória, incendiando o maior número possível das casas típicas
do país, construídas com papel e bambu.
A ideia foi concretizada (principalmente pelo fato
de o dentista ser amigo de Eleanor Roosevelt). Um grande número de morcegos foi
capturado e um tipo de bomba de 28 g foi desenvolvida para ser grampeada nos
animais. Foram gastos US$ 2 milhões na empreitada, e mais de 6.000 morcegos
foram capturados.
Só que o experimento provou-se um desastre. As
bombas não funcionavam, ou pior, os morcegos saíam do controle e incendiaram
várias estruturas militares dos EUA, incluindo um aeroporto. Essa história
pitoresca mostra que o desejo de matar pelo ar, por meio de meios autônomos,
vem de longe.
Corte para 2017. Na semana passada, o Departamento
de Defesa dos EUA divulgou o primeiro vídeo do uso militar de enxames de dropes
autônomos.
Um caça F-18 lançou com sucesso 104 dropes chamados
Perdix a mais de 740 km/h (curiosamente, cada drone é exatamente o tamanho de
um morcego). Imediatamente esses 104 aparelhos foram capazes de se reagrupar.
Cada um atua como unidade autônoma, capaz de atualizar seu plano de voo de
acordo com as circunstâncias reais que encontra. Isso leva em consideração o
ambiente, as interações com outros drones, obstáculos e a missão. De outra
forma seria impossível controlar 104 objetos simultaneamente.
Tal como os morcegos, cada drone pode ser equipado
com armamentos, só que muito mais letais do que bombas incendiárias. São também
capazes de receber ordens remotas. Por exemplo, o vídeo divulgado mostra
imagens impressionantes, como o enxame assumindo as mais diversas formas
tridimensionais e cercando um alvo sob todos os ângulos.
O Perdix foi desenvolvido por um estudante do MIT,
à época com pouco mais de 20 anos. Agora é uma das principais tecnologias
militares dos EUA. Quem escutou o som do enxame descreveu a experiência
como "aterrorizante".
Como toda a tecnologia militar, a tendência é que
com o passar do tempo ela se massifique, tornando-se acessível também ao setor
privado ou indivíduos. O avanço desse conceito é capaz de produzir mudanças
profundas na forma como pensamos a guerra (que fica ainda mais parecida com um
videogame) ou mesmo a segurança nas cidades. É mais um exemplo do admirável
mundo novo que já habitamos. O dentista Adams estaria se sentindo parcialmente
vingado de sua derrota.
Ronaldo Lemos - advogado,
diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org).
Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no
Brasil.
Fonte:
coluna jornal FSP