Pouca
afinidade com números não justifica o endividamento, mas explica o uso do
crédito mais caro
Será que nosso comportamento em relação ao consumo, a
prática ou não de planejamento financeiro e o nível de conhecimento da
matemática têm alguma coisa em comum? Pode apostar que sim.
O nível de endividamento do brasileiro é elevado; a
proficiência em matemática, baixa. Duas constatações comprovadas por inúmeras
pesquisas. Será que uma coisa tem a ver com a outra? Será que o baixo
conhecimento da matemática explica o fato de muitos brasileiros não conseguirem
pagar suas dívidas?
Pesquisas recentes indicam que sim. E fiquei pensando se
a pouca intimidade com a matemática é capaz de explicar, isoladamente, o alto
nível de endividamento do brasileiro. Embora seja um ingrediente importante,
estou convencida de que não.
COMPORTAMENTO
Tudo começa pelo comportamento, como as pessoas se
relacionam com o dinheiro, seus hábitos de consumo. Alguns compram por impulso,
outros, para satisfazer necessidades emocionais. Tudo pago com o cartão de
crédito, o facilitador que viabiliza a compra. Assim começa uma história que
não vai acabar bem.
O consumo abusivo, diferentemente de outras
dependências, como o álcool e o cigarro, é socialmente aceito, embora
recriminado. Há casos extremos, infelizmente não raros, diagnosticados como
doença, a oniomania, caracterizada pelo vício de comprar ou gastar dinheiro,
impulso incontrolável, mesmo quando a situação já é de endividamento.
PLANEJAMENTO
Muitos não se identificam com o comportamento de consumo
abusivo, só gastam com itens necessários, mas acumulam dívidas que não
conseguem pagar. Gastar mais do que ganha é um erro muito frequente e, para
fechar a conta no fim do mês, lançam mão do crédito rotativo, seja parcelando a
fatura do cartão, seja usando o limite do cheque especial.
O erro pode ser evitado com planejamento, controle de
gastos, estabelecimento de limites. Listar todas as despesas, priorizar o que é
necessário, se pagar em primeiro lugar para realizar os sonhos, os projetos de
vida. Aprender a dizer "não" para si mesmo, para a família, quando
não for financeiramente possível atender aos desejos.
Pessoas que começaram a controlar despesas relatam
surpresa com o montante de gastos, que imaginavam ser bem menor. Mais que os
números em si, o controle revela para onde está indo o dinheiro que falta para
coisas importantes.
O controle precisa ser feito. A melhor forma? Do jeito
que funcionar para você. Pode ser uma planilha eletrônica, um caderno, um
aplicativo. Anotadas todo dia, uma vez por semana, uma vez por mês, não
importa, desde que você saiba quanto gastou, com que gastou, quais foram suas
escolhas. E avalie se pode melhorar. Quando você perceber o benefício desse
planejamento, vai fazer automaticamente, com gosto, uma nova e boa rotina na
sua vida.
MATEMÁTICA
Finalmente, a matemática. Vimos que a parte
comportamental, seja pelo consumo exagerado, seja pela falta de planejamento,
explica boa parte do desfecho infeliz das histórias que acabam em
endividamento. Mas onde a matemática entra?
O controle das despesas pode ser feito de forma muito
simples, iniciando com o crédito do salário e subtraindo cada despesa
planejada. Quando o dinheiro acabar, novas despesas devem ser eliminadas ou
adiadas. Continuar gastando quando o saldo for zero significa que você está
gastando um dinheiro que não te pertence. Acaba de contrair uma dívida e pagará
juros por ela.
Esse é o X da questão, os juros da dívida. A taxa das
operações de crédito é expressa em percentual, e acho que é aí que a falta de
conhecimento da matemática faz diferença. Não pelo endividamento em si, mas
pelo uso da linha de crédito mais cara do mercado, o rotativo.
Os juros podem variar de 2,5% ao mês, no consignado, a
13%, no cheque especial. Qual será o saldo devedor ao fim de um ano, de um
inocente empréstimo de R$ 3.000? No consignado, R$ 4.000; no cheque especial,
impagáveis R$ 13.000! Fica fácil entender por que o devedor paga, paga e não se
livra da dívida.
O
tripé controle emocional, planejamento financeiro e um pouco de matemática
forma uma aliança vencedora para garantir nossa independência financeira.
Marcia
Dessen - planejadora financeira pessoal,
diretora do Planejar e autora de 'Finanças Pessoais: o que Fazer com Meu
Dinheiro'.
Fonte:
coluna jornal FSP