Por que tanta gente escreve tão
mal? Por que é tão difícil entender uma decisão de governo, ou um artigo
acadêmico, ou as instruções para configurar uma rede sem fio em casa?
A
explicação mais popular é que a prosa opaca é uma escolha deliberada.
Burocratas insistem em fazer uso de jargões para cobrir sua anatomia.
Escritores de tecnologia de visual hispter se vingam dos atletas que chutaram
areia em seus rostos e das meninas que se recusaram a namorá-los.
Pseudointelectuais cheios de biquinhos usam de um palavreado obscuro para
esconder o fato de não terem nada a dizer, na esperança de enganar seu público
com jargões pretensiosos.
Mas esta teoria enganosa
torna muito fácil demonizar as pessoas, deixando-nos fora do gancho. Ao
explicar qualquer falha humana, a primeira ferramenta a qual recorro é a
Navalha de Hanlon: nunca atribua à malícia o que é adequadamente explicado pela
estupidez. O tipo de estupidez que tenho em mente não tem nada a ver com a
ignorância ou o baixo QI; na verdade, muitas vezes são os mais brilhantes e
mais bem informados que mais sofrem disso.
Frustrações
diárias
Certa vez fui a uma palestra
sobre biologia dirigida ao grande público em uma conferência sobre tecnologia,
entretenimento e design. A palestra também estava sendo filmada para
transmissão pela internet a milhões de outros leigos. O orador era um biólogo ilustre
que havia sido convidado para explicar seu recente avanço nos estudos da
estrutura do DNA. Ele fez uma apresentação técnica repleta de jargões, adequada
a seus colegas biólogos moleculares, e logo ficou evidente para todos na sala
que ninguém entendia patavinas e ele estava perdendo o seu tempo. Evidente para
todos, isto é, exceto para o biólogo. Quando o anfitrião interrompeu e
pediu-lhe para explicar o trabalho de forma mais clara, ele pareceu
genuinamente surpreso e nem um pouco irritado. É desse tipo de estupidez que
estou falando.
É a chamada Maldição do
Conhecimento: a dificuldade de imaginar como é para alguém não saber algo que
você sabe. O termo foi cunhado por economistas para ajudar a explicar por que
as pessoas não são tão astutas na negociação quanto poderiam ser, sendo que
muitas vezes possuem informações que o seu adversário não tem. Os psicólogos às
vezes chamam isso de cegueira mental. Em um experimento didático para
comprová-la, uma criança vem ao laboratório, abre uma caixa de confeitos de
chocolate M&Ms e fica surpresa ao encontrar lápis ali. Não só a criança
pensa que outra criança que entrar no laboratório de alguma forma saberá que a
caixa está cheia de lápis, como vai dizer que ela mesma sabia que havia lápis
ali o tempo todo!
A Maldição do Conhecimento é
a melhor explicação do porquê as pessoas boas escrevem numa prosa ruim.
Simplesmente não ocorre a elas que seus leitores não sabem o que elas sabem –
que não dominam o jargão de seu meio, que não conseguem adivinhar os passos perdidos
que parecem demasiadamente óbvios para serem mencionados, que não têm como
visualizar uma cena que para elas é tão clara como o dia. E assim, o escritor
não se preocupa em explicar o jargão, ou em explicitar a lógica, ou em fornecer
os detalhes necessários.
Qualquer um que deseje acabar
com a Maldição do Conhecimento primeiro deve avaliar o quão diabólica é esta
maldição. Tal como um bêbado que está ébrio demais para perceber que não tem
condições de dirigir, nós não notamos a maldição porque ela mesma nos impede de
perceber. Trinta estudantes me mandaram arquivos de seus trabalhos com o nome
“trabalho.doc psicologia”. Se entro em um site de seguros de viagens, devo
decidir se clico em GOES, Nexus, GlobalEntry, Sentri, Flux ou FAST, termos
burocráticos que nada significam para mim. Meu apartamento está cheio de
gadgets dos quais nunca consigo me lembrar como utilizar por causa de botões
inescrutáveis que devem ser pressionados por um, dois ou quatro segundos, às
vezes dois de cada vez, e que muitas vezes fazem coisas diferentes, dependendo
de “modos” invisíveis acionados por outros botões. Tenho certeza de que tudo
estava perfeitamente claro para os engenheiros que os projetaram.
Multiplique essas frustrações
diárias por alguns bilhões de vezes, e você começará a ver que a maldição do
conhecimento é uma chatice generalizada sobre os esforços da humanidade, a par
com a corrupção, doenças e entropia. Quadros de profissionais caríssimos –
advogados, contabilistas, gurus de computador, atendentes de suporte de
empresas – drenam enormes quantias de dinheiro da economia para esclarecer
textos mal redigidos.
Olhar
para o outro
Há um velho ditado que diz:
“Por falta de um prego a batalha foi perdida”, e o mesmo vale para a falta de
um adjetivo: a Carga da Brigada Ligeira durante a Guerra da Crimeia é apenas o
exemplo mais famoso de um desastre militar causado por ordens vagas. O acidente
nuclear de Three Mile Island, em 1979, foi atribuído à má redação (operadores
interpretaram erroneamente o selo de uma luz de alerta), assim como muitos
acidentes aéreos fatais. O visual confuso da “cédula em borboleta” entregue aos
eleitores de Palm Beach na eleição presidencial de 2000 levou muitos adeptos de
Al Gore a votarem no candidato errado, o que pode ter favorecido George W.
Bush, mudando o curso da história.
Mas como podemos acabar com a
Maldição do Conhecimento? O tradicional conselho “sempre lembre-se do leitor
sobre seu ombro” não é tão eficaz quanto se poderia pensar. Nenhum de nós tem o
poder de enxergar todos os pensamentos alheios, de modo que se esforçar ao
máximo para se colocar no lugar de outra pessoa não faz de você muito mais
preciso para descobrir o que a pessoa sabe. Mas é um começo. Então é isso: “Ei,
estou falando com você. Seus leitores sabem muito menos sobre o assunto do que
você pensa, e a não ser que você rastreie o que você sabe e eles não,
certamente irá confundi-los”.
A melhor maneira de exorcizar
a Maldição do Conhecimento é fechando o ciclo, como os engenheiros dizem, e
obter um retorno do universo dos leitores, isto é, mostrar um projeto para
pessoas semelhantes ao seu público-alvo e descobrir se elas são capazes de
acompanhá-lo. Os psicólogos sociais descobriram que somos confiantes demais, às
vezes ao ponto da ilusão, a respeito de nossa capacidade de inferir o que as
outras pessoas pensam, até mesmo as pessoas mais próximas de nós. Somente
quando consultamos as pessoas é que descobrimos que o que é óbvio para nós não
é óbvio para elas.
O outro jeito de escapar da
Maldição do Conhecimento é mostrando o projeto para si, de preferência depois
de ter se passado tempo suficiente para o texto deixar de ser familiar. Se você
é como eu, vai se flagrar pensando: “O que eu quero dizer com isso?”, ou “Para
onde isso vai?”, ou muitas vezes “Quem escreveu esta porcaria?”. A forma pela
qual os pensamentos ocorrem a um escritor raramente é a mesma com que são
absorvidos por um leitor. Conselhos sobre a escrita não são exatamente
conselhos sobre como escrever, e sim como revisar.
Muitos dos conselhos aos
escritores têm o tom de um conselho moral, de como ser um bom escritor vai
fazer de você uma pessoa melhor. Infelizmente, para a justiça cósmica, muitos
escritores talentosos são canalhas, e muitos ineptos são o sal da terra. Mas o
imperativo de superar a Maldição do Conhecimento pode ser o pequeno conselho
profissional que mais se aproxima do conselho moral: sempre tente sair de sua
mentalidade provinciana e descubra como as outras pessoas pensam e sentem. Pode
não fazer de você uma pessoa melhor em todas as esferas da vida, mas vai ser
uma fonte de contínua bondade para com os seus leitores.
Steven Pinker -
Professor de Psicologia na Universidade de Harvard e presidente do Usage
Panel of the American Heritage Dictionary.
Este artigo foi
adaptado de seu livro “The Sense of Style: The Thinking Person's Guide to
Writing in the 21st Century”.]
Tradução e edição: Fernanda Lizardo. Reprodução de artigo de Steven Pinker (“The Source of BadWriting”, The
Wall Street Journal, 25/9/2014)