Pesquisa
sobre modificações genéticas pode ajudar a entender autismo
Chimpanzé come alho-poró em
zoológico no Japão RIE ISHII/AFP
E que bom para a ciência, inclusive porque várias
pesquisas que nos EUA esbarram em entraves legais já são possíveis na China, em
particular modificações genéticas de animais criados em laboratório. Não entro
aqui no mérito de isso ser certo ou errado; apenas constato que, na ausência da
enorme resistência que muitos estadunidenses e europeus impõem a pesquisas com
animais, e sobretudo primatas, a China desponta no momento com uma força no
horizonte dos modelos animais.
Se o objetivo é entender o cérebro humano, mas de
preferência sem invadir cérebros humanos, o avanço possível estudando cérebros
de ratos e camundongos é necessariamente limitado. Os últimos são roedores com
pequeno número de neurônios no córtex cerebral, conectados por um volume
pequeno de fibras, que vivem no máximo uns dois anos. Não me espanta que
camundongos, mesmo com mutações genéticas, sejam péssimos modelos para estudar
a doença de Alzheimer, por exemplo: como esperar que problemas que levam 60
anos para surgir em humanos apareçam em menos de dois em um camundongo
O jeito é chegar o mais perto possível do humano com algum
conforto ético —o que requer, no mínimo, estudar outros primatas. Na China,
onde qualquer animal com a barriga para baixo é considerado comida, macacos são
jogo limpo. Não surpreende, então, que os primeiros estudos investigando
autismo em macacos estejam sendo feitos lá.
Ainda há quem considere o autismo um problema
exclusivamente humano. Mas, se o gene mais comumente afetado (SHANK3) for
deletado em macacos, o resultado seria um macaco… autista? Ao que parece, sim.
Segundo Yong Zhang, da Academia Chinesa de Ciências, os
dois animais modificados evitam interações sociais, ignoram humanos e seu
olhar, demoram a começar a vocalizar e melhoram tomando Prozac, como humanos. O
autismo, portanto, não é exclusividade humana, e nossas crianças podem se
beneficiar da pesquisa com esses macacos modificados. Se isso provoca
desconforto? Boa pergunta…
Suzana Herculano-Houzel - Bióloga e
neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)
Fonte: coluna jornal FSP