Carta com reflexões para a Alice que eu fui no
alcoolismo ativo
Costumo rememorar
a quem decepcionei, os empregos perdidos e as internações como medida
preventiva contra recaídas
Alice, presta atenção, Alice. Olha o que você está
fazendo da sua vida.
Perdeu o casamento de uma amiga dileta não por ter
ficado doente nem por ter viajado.
Ela simplesmente não te convidou. Não
suportava a possibilidade de você vir a estragar a festa, como acontecia com
frequência.
Quantas vezes saiu de uma balada sem bolsa nem
documento, tudo perdido, esquecido. Certa ocasião deitou na calçada, na porta
da saída, e ficou lá.
Com que regularidade você dirigia bêbada,
arriscando a sua vida e, o que era pior, a vida dos outros. Lembra quantas
vezes bateu o carro?
E ainda tinha o costumeiro coquetel de álcool e comprimidos,
que poderia ter sido fatal.
Empregos perdidos, amigos se distanciando, namorados se
afastando.
Sua avó querida, que intuía o que se passava com
você, e não te julgava. Sua irmã onipresente, sempre pronta a ir te socorrer.
Alice, e sua mãe? Quantas vezes você a decepcionou?
Lembra das inúmeras vezes que você foi parar no hospital? E as seis internações? Seis.
Quando
chegava nesse ponto, toda sua família se preocupava —tios, tias, primos, todo
mundo. Achavam que você não tinha mais jeito.
Você tem jeito, Alice? Consegue retomar uma vida
possível? Retornar à vida e vivê-la de um modo mais normal? "Normal"
é uma palavra difícil, ultimamente caiu em desuso.
Afinal, todos somos
"normais" de um jeito ou de outro, somo normais ao nosso modo.
Então mudo: Alice, você consegue abraçar a vida de
um modo que não te machuque, e nem machuque quem gosta de você? Quando você vai
perceber que o álcool não agrega nada e, pior, só detona sua vida e de todos ao
redor?
Não estou falando que é fácil, eu sei que é uma doença e que você muitas
vezes não consegue fazer aquilo que deseja, mas existe uma saída. Que tal
procurar ajuda com quem realmente pode fazer alguma coisa?
Lembro disso tudo como se a Alice fosse e não fosse
eu. Eu me sentia duas. Escrevo para a Alice que fui, não se aflijam: estou bem.
Costumo rememorar assiduamente esses tópicos, como medida preventiva contra
recaídas e também para trazer à memória as pessoas de quem me afastei, ou
melhor, que se afastaram de mim, e com as quais eu gostaria de retomar o
contato.
Mas retomar como? Procurar no Insta e aparecer do nada, "out of
the blue", como se nada tivesse acontecido? Oi, sumidos!
Eu sei que você está cansada, mas presta atenção: a
vida é uma só e você não pode jogar tudo pela janela. Veja o carinho das amigas
que restaram.
A Marthinha que leva a coca e o amendoim em todas as suas
internações. Até quando ela também estará disponível?
São apenas reflexões, Alice, mas pensa direito e
tenta fazer diferente. É possível mudar e vai ser melhor para você e para
todos.
ALICE S. – blog Vida de Alcoólatra