Poucos brasileiros conhecem os
princípios básicos da matemática financeira. O conceito de juros, por exemplo.
Poucos são capazes de compreender o estrago que pode provocar nas finanças
pessoais.
Por ignorar o conceito de juros
compostos, muitos embarcam na canoa furada de pagar com o cartão de crédito,
com planos de parcelar a fatura. Essa mania de parcelar as compras e pensar só
no valor da prestação, achando que dá conta de pagar, é muito perigosa. A taxa
de juros simples incide somente sobre o saldo devedor inicial, sendo muito
menos onerosa para o devedor. O juro composto incide sobre o saldo acrescido
dos juros devidos. Assim, o devedor paga juros sobre juros. A conta fica mais
alta e leva muito mais tempo para pagar.
Vamos exemplificar com uma
compra de R$ 100 que será financiada no cartão, com pagamento mensal de R$ 15.
A simulação considera taxa de juros de 16% ao mês e ignora outros encargos.
MÊS UM
Você recebe a fatura do cartão
com a compra de R$ 100 e decide parcelar, pagar o valor mínimo de R$ 15. Sua
rápida contabilidade mental indica que agora você deve R$ 85 e logo dará conta
de liquidar a fatura. Mas você se esqueceu de considerar os juros. Sobre os R$
85 incidem juros de 16% ao mês e o saldo devedor do mês seguinte será de R$
98,60.
É isso mesmo. A parcela mínima
paga corresponde aproximadamente ao valor dos juros. Ou seja, você não
amortizou quase nada da dívida. Já pagou R$ 15 e está devendo praticamente a
mesma coisa. Você ainda não sabe, mas aqui começa a rolar uma bola de neve que
vai se estender pelos próximos 17 meses.
MÊS DOIS
No mês seguinte você recebe a
fatura com o saldo devedor de R$ 98,60. Paga novamente a prestação de R$ 15,00.
Seu saldo devedor depois de pagar a prestação é de R$ 83,60. Mas aí vem o
famigerado juro de 16% e corrige novamente o saldo devedor, que passa a R$
96,98. Você deve estar pensando que algo está errado. Já pagou R$ 30 e o saldo
devedor continua praticamente o mesmo?! Desse jeito vai demorar para se livrar
dessa dívida...
MÊS 17
Mantido o ritmo de pagamento de
R$ 15,00 por mês, a dívida será liquidada em 17 meses, depois de pagar R$
254,70, duas vezes e meia o saldo devedor inicial. Só de juros foram pagos R$
154,70. E, para chegar a esse valor, o exemplo considera que não houve outra
compra no cartão e que todas as parcelas de R$ 15 foram pagas pontualmente na
data de vencimento, não sendo devido juro adicional por atraso de pagamento.
REALIDADE
"Mas era só uma comprinha
inocente de R$ 100... como foi que me meti nessa enrascada?", você deve
estar pensando. O estrago provocado por uma compra de R$ 1.000 é
proporcionalmente o mesmo. Com parcelas de R$ 150, ao final de 17 meses você
terá pago R$ 2.550, duas vezes e meia o valor financiado. Pense em quanta coisa
você poderia ter comprado com esse dinheiro. Mas, em vez de ficar com ele, você
preferiu enriquecer a administradora do cartão, que está rindo à toa, admirada
com a riqueza transferida por tantos consumidores, como você.
O exemplo numérico reflete
fielmente a vida como ela é. Aliás, podia ser pior. De acordo com o site do
Banco Central do Brasil, a instituição financeira que pratica atualmente a taxa
de juros mais alta para essa modalidade de crédito cobra 22% ao mês! Difícil de
acreditar.
Se você não gosta de números e
nem calculadora tem, acesse o site do Banco Central e localize a
"Calculadora do Cidadão". É fácil de usar, faça uma simulação antes
de comprar pensando em financiar a fatura. O site informa também quanto
custaria o mesmo financiamento com juros menores, cobrados em outras
modalidades de crédito. O mesmo exemplo, financiado com taxa de 7% ao mês em
empréstimo pessoal, seria quitado em 8,5 parcelas com montante de R$ 127,15.
Que diferença! Mas nesse caso é preciso paciência. Paciência e planejamento
antes de comprar. Será que você consegue? Garanto que vale a pena tentar.
Marcia
Dessen - Planejadora financeira pessoal, diretora do Instituto
Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros e autora de 'Finanças
Pessoais: o que fazer com meu dinheiro'.
Fonte:
coluna jornal FSP