Todo o mercado da música vai mudar por causa da IA
A partir de alguns
versos, plataforma cria música completa em qualquer estilo e idioma.
Tudo que sabemos sobre música pode mudar
rapidamente.
No dia 21 de março foi lançada a versão 3 de um serviço que cria músicas por meio de inteligência
artificial chamado Suno.
O serviço é chocante. Pode produzir um
abalo sísmico no mercado fonográfico.
Com algumas poucas linhas de texto é
possível criar uma música completa, em qualquer estilo, cantada em português,
inglês ou outras línguas.
As músicas têm "qualidade de rádio"
(palavras da empresa), inclusive nos arranjos, bases instrumentais e pronúncia.
Experimentei estilos diferentes como k-pop, MPB, punk, jangle, sertanejo, rock
brasileiro e o resultando foi surpreendente em todos.
Fiz canções de
aniversário para familiares, jingles para nosso instituto de pesquisa e até um
rock gótico sobre os perigos da inteligência artificial.
É até difícil falar tudo que está acontecendo. Vou
selecionar alguns pontos.
O primeiro é o direito autoral. Não é
difícil imaginar que muita gente vai diminuir o consumo de música gravada para
ouvir música própria criada por IA.
Por exemplo, restaurantes e academias
poderão gerar suas próprias músicas com inteligência artificial. Filmes e
comerciais também terão trilhas feitas por AI.
Como não há autoria ou registro,
não haveria recolhimento de direitos autorais.
O segundo ponto é a personalização. As músicas
podem ser criadas falando de temas familiares para cada pessoa. É possível
criar uma balada para a namorada, incluindo o nome dela.
Fazer um punk rock
falando da turma de amigos da escola. E assim por diante. As músicas terão boa
qualidade e as letras falarão de coisas que importam para cada pessoa ou grupo.
Isso é muito poderoso.
Um DJ pode criar uma lista de músicas personalizadas
para uma festa de casamento, todas falando do amor dos noivos.
O terceiro ponto é a autoria. Quem faz essas
músicas? Enviei as músicas que gerei para as pessoas dizendo "olha só a
música que fiz para você".
Mas será que fui eu mesmo que fiz? O meu
trabalho foi digitar algumas linhas de texto e a música apareceu por obra da
AI.
Estamos entrando em uma era em que a criação se tornará a arte de redigir
textos precisos que possam ser interpretados pela máquina. Isso será suficiente
para gerar direito autoral?
Hoje essa pergunta não tem resposta.
O quarto ponto é poder. Usando a ferramenta
Suno qualquer pessoa tem nas pontas dos dedos o poder de tudo que já foi criado
na história da música.
É possível invocar qualquer tipo de composição. Isso, é
claro, pode virar uma arma.
Por exemplo, nas campanhas eleitorais de 2024
haverá jingles feitos dessa forma, capazes de viralizar e mudar a forma como
pensamos em comunicação política.
O
quinto ponto é o dilúvio. As plataformas abertas como o Youtube e redes sociais
serão inundadas por músicas feitas por IA.
O preço hoje para fazer 500 músicas
por mês é US$ 8 (cerca de R$ 40).
Em um ano, pelo mesmo preço, pode não haver
mais limite. Milhões de músicas sintéticas poderão ocupar em pouco tempo o
espaço da música gravada.
Como
disse Jacques Attali: "o som é profético, é o que vem primeiro".
Essas mudanças são, de novo, a ponta de lança para enxergamos os desafios
maiores que teremos a partir de agora.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.