Projetos de lei preveem até
prisão para quem comentar sobre autoridades e facilitam acesso a dados de
usuários.
Quer falar mal de algum político pela internet? Então prepare-se
para passar até seis anos na prisão em regime fechado. Três projetos de lei
estão avançando em alta velocidade neste momento na Câmara dos Deputados para
aumentar penas e até mesmo transformar em crime hediondo as ofensas em alguns
casos. A autora do principal deles, o projeto de lei 1.589, de 2015, é a
deputada Soraya Santos, do PMDB-RJ.
Se você já ficou em alerta, saiba que o buraco é ainda mais
profundo. Se o projeto for aprovado, qualquer "autoridade competente"
poderá ter acesso aos dados de qualquer internauta, sem maiores controles. E
mais: poderá ter acesso também ao inteiro teor das comunicações dos usuários,
sem a necessidade de ordem judicial prévia.
Sabe aquelas mensagens que estão na caixa de mensagens da sua
rede social favorita? O governo ou a polícia passam ter acesso direto a elas,
sem controle. Cria-se assim uma república da vigilância no Brasil. Todos os
cidadãos são suspeitos, e o governo ou a polícia têm acesso a tudo que se diz
na internet, mesmo em comunicações privadas.
Uma das principais conquistas do Marco Civil foi estabelecer a
necessidade de ordem judicial prévia para a obtenção dos dados dos usuários na
rede. Criou-se assim um sistema minimamente balanceado: os provedores e sites
precisam guardar os dados, mas só podem entrega-los para fins de investigação
se um juiz autorizar.
Essa é a regra em todos os países democráticos. Que agora está
prestes a cair por terra no Brasil.
A coisa piora ainda mais. Ofensas hoje só são investigadas e
processadas se houver "queixa" do ofendido. O projeto acaba com essa
necessidade. Com isso, tanto a polícia quanto o Ministério Público poderão
investigar qualquer ofensa proferida na internet sem a necessidade de queixa
prévia. Em outras palavras, isso transforma as autoridades públicas em
advogados privados de políticos que podem usar da sua influência para intimidar
quem fala mal deles na rede.
Para completar, o projeto cria também um direito para que
políticos possam solicitar ao poder judiciário que sejam imediatamente apagados
da internet quaisquer conteúdos que os relacionem a fatos "difamatórios ou
injuriosos".
Com isso, fica oficialmente autorizado o revisionismo histórico
e a possibilidade de se suprimir a memória de fatos relevantes para o país. Em
um momento em que os países democráticos latino-americanos lutam pela
preservação de sua memória, o projeto cria um "direito ao
esquecimento" do passado.
Em suma, é como se o diretor da agência de espionagem dos
Estados Unidos, a NSA, tivesse se sentado à mesa com o ditador Kim Jong-Un, da
Coreia do Norte, para redigirem juntos um projeto de lei para o Brasil. Em nome
da Constituição que os elegeu, os deputados federais precisam parar essa
maluquice.
Ronaldo Lemos - advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro ronaldo@itsrio.org
Fonte: coluna no jornal FSP