Se
Estônia e Índia introduzem identidades digitais, por que não o fazemos no
Brasil?
Apresentador Luciano Huck faz mediação com Guilherme
Boulos (PSOL) durante GovTech
Na semana passada, aconteceu em São
Paulo o GovTech,
seminário sobre governo e tecnologia. O objetivo foi analisar o papel da
tecnologia para governos no mundo de hoje (vale dizer que este colunista foi um
dos organizadores).
A premissa é que governo e tecnologia serão uma coisa
só. A atividade de governar passará necessariamente pelo uso da tecnologia.
Especialmente porque nossas vidas são cada vez mais mediadas por ela.
A consequência disso é que um governo que não evolui
tecnologicamente deixa de ser governo. Torna-se obsoleto e ineficaz. No evento,
foram analisados casos de países que já perceberam essa mudança.
Encontro,
com curadoria de Luciano Huck, discutiu uso de tecnologias por governos
O primeiro deles foi apresentado pelo ex-presidente da
Estônia Toomas Ilves, um ex-jornalista que aprendeu a programar quando era
criança. Quando foi eleito presidente, constatou que a única chance de o país
se desenvolver —dada a ausência de quaisquer recursos naturais— era
apostar em tecnologia.
Logo a Estônia se posicionou nesse setor. Foi lá que
surgiu o Skype, usado globalmente. Além disso, o país implementou um pioneiro
sistema de identidades digitais. Seu efeito é fazer com que tudo o que o
cidadão precise do Estado possa ser feito pela internet.
Uma pessoa só precisa ir pessoalmente a órgão público
naquele país em três circunstâncias: para se casar, para se divorciar ou para
vender um imóvel.
Outro exemplo apresentado foi o da Índia, que também
criou uma identidade digital para os seus cidadãos. Se a Estônia fez isso para
1,3 milhão de pessoas, a Índia fez o mesmo para 1,2 bilhão.
A identidade digital indiana se organiza em torno de
quatro princípios (chamados de "stacks"): dispensa de presença física
(presenceless), dispensa de papel (paperless), digitalização do dinheiro
(cashless) e consentimento (consent).
Esses princípios significam que os indianos hoje podem
acessar todos os serviços públicos pelo celular e sem precisar de nenhum papel.
Além disso, o sistema --tal como na Estônia-- protege a privacidade, permitindo
que o cidadão decida qual dado pode ser acessado por qual órgão (e somente por
ele).
Tudo isso levou a um processo de intensa bancarização da
população naquele país, permitindo a digitalização da economia e a redução da
circulação física de dinheiro.
Para um país como a Índia, em que 600 milhões de pessoas
ganham menos de R$ 420 por mês, esse é um salto extraordinário. Só em questões
como gerenciamento de benefícios sociais e inclusão financeira o país deu um
salto extraordinário.
O GovTech deixou uma pergunta no ar: se países tão
distintos como a Estônia e a Índia conseguiram implementar identidades digitais
e com isso revolucionar seus serviços públicos, por que não estamos fazendo
isso também no Brasil?
Essa pergunta começou a ser respondida no último dia do
evento, que teve a participação de cinco presidenciáveis (Geraldo Alckmin, João
Amoêdo, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles e Marina Silva).
Todos disseram que desejam implementar uma identidade
digital no país e, por consequência, ampliar o uso de tecnologia na prestação
dos serviços públicos. Resta agora ver como esse ponto irá se materializar em
cada um dos respectivos programas de governo.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP