Reforma está longe de corrigir a Previdência por meio do assassinato de velhinhos


Ao contrário, projeto reduz desigualdades e preserva os direitos dos mais pobres.

O presidente eleito, Jair ​Bolsonaro, manifestou sua oposição à proposta de reforma da Previdência capitaneada por Michel Temer, afirmando que “não podemos querer salvar o Brasil matando idoso”.

Parece não ter percebido nem que a campanha acabou nem que o tema requer bem mais maturidade na análise.


O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes

A começar porque nenhuma proposta de reforma pode alterar direitos adquiridos dos atuais aposentados. Mais importante, porém, é que não há nada no projeto que autorize a visão particularmente cruel expressa acima.

A discussão hoje se concentra (embora não se esgote) em três aspectos. 

O primeiro é a criação de uma idade mínima de aposentadoria para o INSS, que atingiria 62 anos para mulheres e 65 para homens em 20 anos. 

O segundo é o estabelecimento de uma regra de transição, especificando que vale para mulheres acima de 53 anos e homens acima de 55. 

O terceiro é a equiparação do regime para o funcionalismo público às regras do regime para trabalhadores do setor privado.

No que se refere aos dois primeiros, noto que, dos 35 milhões de beneficiários da Previdência (5 milhões de assistenciais e 30 milhões de previdenciários), há 6 milhões de aposentados por tempo de contribuição, ou seja, 18% do total.

Apesar disso, recebem 30% do valor desembolsado, não só a maior fatia mas também o maior valor médio, correspondente a R$ 3.000/mês, tendo se aposentado em média aos 55 anos.

 Para fins de comparação, quem se aposenta por idade (65 anos) recebe metade deste valor (a maioria recebe um salário mínimo); já os benefícios assistenciais equivalem a um salário mínimo, R$ 954/mês.

Em outras palavras, o que se propõe é que os que ganham mais se aposentem (em 20 anos) na mesma idade dos que ganham menos.

Há, é verdade, um requisito adicional para o recebimento do benefício integral (cujo teto é hoje R$ 5.500/mês): 42 anos de contribuição, ou seja, quem se aposentasse por tempo de contribuição aos 65 anos teria começado a contribuir pelo menos aos 23 anos.

Contudo, para a maioria dos que se aposentam por idade, não haveria mudança: fariam jus a um salário mínimo e continuariam a recebê-lo após os 65 anos.

Já a equiparação de regimes eliminaria a iniquidade hoje existente entre aqueles que se aposentam com salário integral e meros mortais. Em particular, no caso do funcionalismo federal, a aposentadoria média em 2016 era R$ 7.700/mês, ante R$ 1.400/mês para aposentados pelo INSS, 4,5 vezes maior.

Em suma, muito embora não seja perfeito, o projeto de reforma ora em discussão está longe de corrigir o problema previdenciário por meio do assassinato em massa de velhinhos. Ao contrário, reduz desigualdades e preserva os direitos dos mais pobres.

Já deveria ficar claro para o presidente que o sucesso de sua administração está intimamente ligado à capacidade de aprovar, possivelmente ainda em 2019, uma reforma que limite os gastos com aposentadorias e pensões, sem o que o teto constitucional de despesas se tornará insustentável nos próximos anos.

A retórica de campanha, associada à declaração pessimista do deputado Eduardo Bolsonaro sobre a possibilidade de aprovação da reforma no Congresso, gera sérias dúvidas acerca de seu compromisso com o ajuste fiscal.

Não há margem de erro nessa frente: se não aprovarmos a reforma da Previdência, enfrentaremos uma grave crise fiscal, com repercussões óbvias sobre a estabilidade política do país.


Alexandre Schwartsman - consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley.

Fonte: coluna jornal FSP

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