Agora a culpa é dos idosos?
Esquecem-se alguns de que muitos deles são recursos para suas famílias.
Dados preliminares do Censo 2022 mostram que estamos envelhecendo mais rapidamente do
que o esperado.
Desde 2000, as taxas de fecundidade estão abaixo do nível de
reposição.
O único estrato da população que segue crescendo é o de pessoas
idosas.
Por volta de 2040, nossa
população terá chegado ao pico e começará a diminuir. Nenhum país já
desenvolvido passou por tal experiência, um imenso desafio.
O bem mais precioso
de qualquer país é sua gente —no nosso caso, gente envelhecida. Fazer com que as pessoas
envelheçam de forma ativa e saudável é investir no futuro do país, tornando-o
mais produtivo e competitivo.
Não há modelos a copiar; exigirá criatividade e
investimento.
Ao mesmo tempo será preciso
assegurar que os jovens, através de políticas públicas centradas em ensino de
qualidade e saúde pública, deixem de crescer com um smartphone ou um fuzil na
mão e os pés no passado.
A maioria entre nós estará repetindo a história
perversa vivida por seus antepassados.
Guerras intergeracionais não nos
ajudarão a ultrapassar os obstáculos como, mesmo que inadvertidamente, sugere a
colunista Laura Müller Machado nesta Folha ("Orçamento público dos idosos é 6 vezes o da
juventude", 14/7).
Ao reproduzir um gráfico elaborado pela
Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) em 2014 com dados
de 2010, comparando gastos públicos por grupo etário, a colunista aponta que,
em relação a seus vizinhos latino-americanos, o Brasil teria gastos públicos
para os mais idosos cerca de seis vezes maior que para os mais jovens, sendo a
média do continente três vezes maior.
Nenhuma surpresa no
"achado". O Brasil destacou-se de seus vizinhos por dois marcos
civilizatórios: a adoção de um sistema de pensões não contributivas e a
implementação de um sistema universal de saúde.
Ambos levam a um gasto maior
para a população idosa. Assegurou-se aos brasileiros maiores de 65 anos em
condição de miserabilidade uma renda mínima que permite vidas menos precárias,
mais dignas.
Excepcionais são as pensões
nababescas para grupos minoritários mantidas pela recente reforma previdenciária. Quanto ao SUS, uma conquista defendida com determinação pela maioria
dos cidadãos.
É a política que tem assegurado a sobrevivência de milhões de
brasileiros antes, durante e depois da recente pandemia de Covid-19.
Brasileiros seguem teimosamente
envelhecendo. Esquecem-se alguns de que pessoas idosas ativas e saudáveis são
recursos para suas famílias e comunidades. Transferem-nos para as novas
gerações e delas também cuidam.
Difícil de monetizar. Mas, entre os mais pobres,
são a única fonte de renda regular de toda a família, trazendo comida à mesa e
contas pagas.
O horror da velhice sempre foi e sempre será a perspectiva de
não estarem minimamente protegidos, vivendo de duvidosa caridade.
Pergunte à
dona Rita ou ao seu José se suas pensões os enriqueceram. Ou se seria bom
voltar às filas dos hospitais filantrópicos. Nosso desafio maior é vencer a
desigualdade.
Os mais jovens comungam esse objetivo para suas próprias
velhices. Não tornemos marcos civilizatórios em responsáveis por problemas
seculares não resolvidos.
ALEXANDRE KALACHE - médico
gerontólogo, é presidente do Centro Internacional da Longevidade e ex-diretor
do Departamento de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS)