A notável família matemática Bernoulli era problemática


Os irmãos Jacob e Johann brigaram por um problema matemático; Johann acusou o próprio filho de plágio.

Remonta à lenda da princesa fenícia Dido, contada pelo romano Virgílio, no poema épico “Eneida”. Fugindo de sua cidade natal, Tiro, Dido chega ao norte de África, onde precisa encontrar abrigo. Astuciosa, faz um pedido modesto ao rei local para que lhe conceda a terra que ela conseguir conter numa pele de boi. O rei acede. Dido corta a pele em tiras muito finas, que usa para formar uma corda. Com ela cerca uma grande área de terra, onde funda a cidade de Cartago, que se tornaria a maior rival de Roma. 

Em matemática, é chamado problema isoperimétrico: qual é a maior área que podemos cercar com uma curva de comprimento dado? Sua solução —a área é máxima quando a curva é uma circunferência— marca a criação de um novo campo de pesquisa, o cálculo das variações.


O matemático Johann Bernoulli –

 

Em 1697, Jacob Bernoulli (1654–1705) desafiou o irmão Johann (1667–1748) para um problema desse tipo. Johann resolveu rapidamente (gabou-se de que só precisou de três minutos), mas a solução estava errada. Jacob não deixou passar a oportunidade para ridicularizar o irmão publicamente. Isso acabou de vez com a relação entre eles. 

Caso raro de concentração de talento, a família Bernoulli produziu oito matemáticos nos séculos 17 e 18, dos quais três foram excelentes: além de Jacob e Johann, também o filho deste último, Daniel (1700–1782). Muitos matemáticos pensam que foi uma única pessoa que obteve todos esses trabalhos com o nome Bernoulli (foi o meu caso por muito tempo...).

Mas, como família, tinha sérios problemas. Em 1738, Daniel publicou um livro sobre hidrodinâmica. Seu pai, Johann, publicou outro livro sobre o mesmo tema, usando as ideias de Daniel, mas com data anterior, afirmando que o filho o tinha plagiado!

A partir de 1694, o nobre francês Guillaume François Antoine (1661–1704), Marquês de l’Hôpital, pagou a Johann um bom honorário para que o informasse sobre suas descobertas na teoria do cálculo, as quais ele não poderia contar para mais ninguém. Dois anos depois, o marquês publicou o livro “Análise dos infinitamente pequenos com aplicações às linhas curvas”, que se tornou um enorme sucesso. Entre outros resultados, contém a famosa regra de l’Hôpital para cálculo de limites 0/0 ou ∞/∞. No prefácio, o autor agradece a Leibniz e aos Bernoulli, especialmente a Johann.

Depois da morte do marquês, Johann veio a público afirmar que o livro era cópia exata das notas de aula que ele próprio tinha dado a l’Hôpital. Depois do papelão com Daniel, os historiadores não acreditaram, claro. Até que, nos anos 1920, foi encontrada na universidade da Basileia uma cópia das notas de Johann, que comprovou a sua afirmação.

A regra de l’Hôpital é mais uma descoberta científica que não leva o nome de seu descobridor...

Marcelo Viana - diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Fonte: coluna jornal FSP

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