O que dá mais trabalho, ser honesto ou desonesto?
A
resposta para essa pergunta depende da natureza de cada um.
Esta é para os filósofos de plantão: qual é a
natureza humana?
Somos inerentemente egoístas e desonestos, sempre dispostos a
levar vantagem mesmo na base da trapaça, e honestos somente às custas de
esforço cognitivo?
Ou somos pessoas inerentemente boas e honestas, que precisam
fazer esforço cognitivo para passar por cima da vocação a ser
"caxias" e ocasionalmente tirar partido de uma situação?
De acordo com um estudo holandês publicado
recentemente na revista científica Proceedings of the National Academy of
Science, dos EUA, ambas as hipóteses estão corretas: existe toda uma gama de
indivíduos na espécie humana, cobrindo um espectro que vai do extremo das
pessoas honestas sem fazer força ao outro extremo daquelas pessoas que só com
muito esforço perdem a oportunidade de levar vantagem.
Interessados em estudar como se manifesta no
cérebro o conflito entre a tentação da recompensa externa adquirida às custas
de trapaça e a satisfação com a autoimagem, os pesquisadores bolaram uma tarefa
que permitia aos voluntários escolher serem desonestos dentro do escâner “sem
os pesquisadores saberem”.
Obviamente, de fora do escâner, os pesquisadores
sabiam perfeitamente quando as trapaças aconteciam.
Resultado: como antecipado, trapaças são mais
comuns quanto mais o sistema de recompensa do cérebro antecipa ganhos.
Mas, ao
mesmo tempo, quanto mais ativo é um segundo sistema de estruturas no córtex
cerebral que permitem o pensamento autorreferente, mais honesto é o voluntário,
mesmo quando a trapaça é fácil.
Portanto, ser honesto em situações onde é possível
trapacear para levar vantagem depende de dois sistemas no cérebro competindo
entre si.
Trapaça é movida por ganância, que depende da atividade do sistema de
recompensa frente à tentação; honestidade é uma questão de autorreferência.
Onde entra na história o controle cognitivo, aquele
esforço pré-frontal de autocontrole, que torna o comportamento flexível?
O que
vem com maior atividade pré-frontal não é ser honesto ou desonesto, mas, sim,
ir contra a própria tendência.
Pessoas honestas se concentram em preservar seu
amor próprio e sua autoimagem e precisam usar o controle cognitivo para
trapacear.
Trapaceiros são altamente sensíveis à possibilidade de levar
vantagem e precisam usar controle cognitivo para se manterem na linha.
A cereja no bolo é que o padrão individual de
atividade do cérebro prediz com mais de 70% de acerto quão honesta ou desonesta
cada pessoa se revela.
Ah, que lindo seria ter o resultado desses exames de
neuroimagem na ficha dos políticos antes de cada eleição...
Suzana
Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).