Uma boliviana pisa batatas
para fazer chuño, alimento seco a frio que pode ser guardado durante vários
anos.
O que os incas e a indústria espacial
têm em comum? Ambos enfrentaram o mesmo problema de longas viagens por
território duro e inóspito. De modo notável, séculos antes da pesquisa por
métodos para alimentar os astronautas no espaço, os incas já tinham encontrado
a resposta. Seu império subia e descia pela cordilheira dos Andes, com uma rede
de estradas, fazendas em terraços e postos avançados na montanha que se
estendiam pela mesma distância que separa Estocolmo e o Cairo. Eles precisavam
de alimentos que suportassem as viagens e pudessem ser armazenados por muito
tempo. Surge o chuño, uma das descobertas dos incas que persistem até hoje.
O chuño é feito basicamente de
batatas secas e congeladas, método desenvolvido por uma cultura que não tinha
as tecnologias de processamento atuais. Os aldeões do altiplano da Bolívia e do
Peru ainda o fazem do mesmo modo que os incas faziam, usando os dias quentes e
as noites gélidas de junho para congelar e arrefecer as batatas e amassá-las
com os pés para retirar a pele e os líquidos. O chuño pode ser armazenado e
comido até uma década depois de ser encolhido e seco.
“Foi o alimento que sustentou os
Exércitos incas”, disse Charles C. Mann, autor que escreveu extensamente sobre
as Américas antes da conquista europeia.
O chuño é pouco conhecido fora dos
Andes, e as pessoas demoram um pouco para se acostumar a comê-lo. Os novatos em
geral comentam que não se parece em nada com batata, comparando seu sabor
incomum a isopor ou giz. E o cheiro? É melhor não perguntar, mas já foi
equiparado ao de meias sujas. Mas ele ganha alguns pontos por sua aparência
terrosa, que lembra trufas. Os descendentes dos incas ainda valorizam o chuño,
que muitas vezes é servido apimentado com ají, uma pimenta andina. Quando o
dinheiro fica curto para comprar alimentos enlatados, não há lhamas disponíveis
para transformar em carne seca ou a colheita das hortas decepciona, as famílias
dos Andes podem sempre contar com o chuño.
“Essa capacidade de armazenar comida
é importante em uma região onde as secas periódicas podem destruir a colheita
de um ano inteiro”, disse a antropóloga Claire A. Sammells. “O chuño fornece o
alimento necessário para sobreviver.”
Simon Romero – jornalista do New York Times
Fonte: suplemento NYT do jornal FSP