Um x, um quadrado, uma
bolinha e um triângulo. Com esses símbolos nas mãos, milhões de pessoas em todo
o mundo usaram o controle do Playstation para conduzir um tigre (Ratchet) e seu
amigo robô (Clank) por animadas aventuras intergaláticas, lutando contra as
mais variadas e estranhas criaturas. No primeiro semestre de 2015, a maior
viagem da dupla, uma das mais populares do universo dos games, vai ser rumo às
telas de cinema, onde estreia seu primeiro longa-metragem.
Ratchet & Clank não estão
sozinhos nessa transição. Antes deles, uma sensual arqueóloga (“Tomb raider”),
hordas de zumbis (“Resident evil”), uma cidade assombrada (“Silent hill”) e um
mundo das arábias (“Prince of Persia”), entre outros, igualmente pularam do
console da Sony – que está completando 20 anos – para Hollywood. Outros
títulos, como o recente “The last of us”, foram além e já nasceram como uma
experiência cinematográfica, com roteiro digno de um filme.
Como se tivesse os mesmos
poderes mágicos dos personagens que o habitam, o Playstation também sacudiu o
planeta música ao longo dessas duas décadas, fosse através de futurísticas
corridas ao som de techno (“Wipeout”), em arriscadas voltas de carros
turbinados por rádios tocando hip-hop (“GTA – Vice city”) ou simplesmente
transformando jogadores em heróis de guitarras (“Guitar hero”), despertando o
interesse de artistas e da indústria fonográfica. Na caixinha de surpresas
inventada pelo engenheiro japonês Ken Kuturagi, os games deixaram de ser
brincadeira de criança e se consagraram, definitivamente, como parte
inseparável da cultura pop, ajudando a formar o que o jornal britânico
“Guardian” chamou de “geração Playstation”, aquela sem limite de idade.
– O Playstation não foi o
primeiro console de jogos, não foi o primeiro a usar música, nem o primeiro a
flertar com o cinema, mas foi aquele que fez tudo isso melhor, levando a
experiência dos videogames a um outro patamar – afirma o inglês Tony Mott,
editor da revista especializada “Edge” e coordenador do livro “1001 videogames
para jogar antes de morrer”. – Se hoje temos jogos em galerias de arte e no
acervo de museus, é por causa do Playstation, que possibilitou que eles se
tornassem itens culturais, assim como filmes e álbuns de música.
De fato, quando chegou às
lojas do Japão (em dezembro de 1994) e da Europa e dos EUA (no começo de 1995),
o Playstation já tinha a concorrência de gigantes como Sega e Nintendo (com a
qual a Sony chegou a formar uma parceria, rapidamente desfeita). Suas
características, porém, logo o colocaram acima dos demais. A principal inovação
foi o uso de CDs em vez de cartuchos, o que permitia maior capacidade de
armazenamento. Com isso, vieram jogos com animações e sons mais realistas que
os existentes no mercado. O console permitia também que CDs de música fossem
tocados nele, ampliando seu campo de ação.
Mas foram algumas certeiras
estratégias de marketing e associações da empresa que transformaram o
Playstation num real objeto de consumo pop. Um marco foi “Wipeout”, nascido
após a absorção de duas empresas (Psygnosis e Designers Republic). O frenético
jogo de 1995, com trilha sonora especialmente assinada por Chemical Brothers,
Leftfield e Orbital, foi espalhado por casas noturnas no Reino Unido, como o
Ministry of Sound, ganhando também salas especiais em festivais como
Glastonbury e Tribal Gathering, tornando-se uma paixão dos clubbers. Foi a
partir dali que os jogos se tornaram algo realmente cool, sensação consolidada
pelo premiado anúncio de televisão “Double life”, repleto de pessoas saudando o
escapismo proporcionado pelo console e seus jogos.
– A recepção do Playstation
foi impressionante desde o começo, algo que só aumentou com a evolução da
tecnologia – diz Ken Balough, gerente de marketing da Sony na América Latina.
Quando teve sua produção
encerrada, dez anos depois do seu lançamento no Japão, o primeiro modelo do
Playstation acumulava cem milhões de unidades vendidas em todo o mundo, um
recorde na indústria dos jogos, que seria superado pelo sucessor, o Playstation
2, lançado em 2000, com um processador ainda mais poderoso, que atingiu 155
milhões de cópias. A partir dele, jogos como a bilionária série “Guitar hero”,
de 2005 – e seu parente “DJ hero” –, aprofundaram a relação com a música,
ajudando a combalida indústria fonográfica a respirar em meio à queda livre de
suas vendas em lojas. Feito semelhante foi conseguido por outra franquia de
sucesso, a polêmica série “Grand theft auto”, que, a partir de “GTA III”, de
2001, passou a incluir carros com rádios com programação assinada por artistas
como Bootsy Collins, Lee Perry, Flying Lotus e Soulwax, ao mesmo tempo em que
trazia vozes de atores e músicos como Burt Reynolds, Ray Liotta, Samuel L.
Jackson, Axl Rose e Phil Collins.
Como num gigante pulo de
fases, a pequena caixa cinzenta de 20 anos atrás transformou-se numa
supermáquina, o atual Playstation 4, com um potente processador, disco rígido
de 500 GB, um serviço de música digital em streaming, uma rede social interna
(atacada por hackers no Natal) e títulos como “The last of us”, “Journey” e
“Flower”, com os quais a empresa vai brigar pela liderança no setor e tentar
manter o status de arte de seus jogos.
– O primeiro Playstation
abriu tantas possibilidades de interação com outras áreas que seu impacto é
praticamente insuperável – afirma Mott. – Mas talvez sua principal mensagem,
enviada por tantos títulos híbridos de qualidade, tenha sido a de que podemos
jogar para sempre, independentemente da idade. Afinal, quem ainda se arriscaria
a dizer, hoje em dia, que jogos são coisas infantis?
Cinco
jogos que marcaram a história do Playstation
1.
Wipeout – 1995
Criado pelos estúdios
Psygnosis, a corrida futurista tinha trilha sonora assinada por Chemical
Brothers, Orbital e Leftfield, o que ajudou a torná-la popular entre os
frequentadores de clubes, raves e festivais na segunda metade dos anos 1990.
2.
Resident evil 2 – 1998
O segundo volume da série da
Capcom transformou os zumbis, espalhados pelas ruas de Raccon City, em
criaturas realmente apavorantes. O drama dos seus dois principais personagens
(Leon e Claire) num universo apocalíptico chegou a gerar programas de rádio no
Japão até chegar, mais tarde, às telas de cinema.
3. GTA
– Vice City – 2002
A série “bandida” do
Playstation ganhou novos patamares com “Vice city”, cuja ação acontecia na ensolarada
Miami. Entre missões de causar inveja a Scarface, o jogador podia passear de
carro pela cidade, ouvindo estações de rádio com curadoria de nomes cultuados
da música. A onda pegou e cresceu nas versões seguintes, com estações assinadas
por Bootsy Collins, Lee Perry, Flying Lotus e Soulwax.
4.
Guitar hero – 2005
Publicado para o Playstation
2, foi o jogo que cristalizou o sonho de milhões de guitarristas imaginários em
todo o mundo, com sua simulação do mais marcante instrumento da história do
rock. Com vendas que ultrapassaram dois milhões de cópias, a série foi
considerada um marco do mundo dos games (e representou um alívio para a
indústria fonográfica). Mas muitas gente não perdou a imagem de Kurt Cobain, no
quinto volume, tocando Bon Jovi e Blink 182 .
5. The
last of us – 2013
Já considerado um dos
melhores jogos de todos os tempos, “The last of us” já nasceu como uma
experiência cinematográfica, com roteiro digno de um filme, com personagens bem
desenvolvidos e história cativante, envolvendo os protagonistas Joel e Ellie em
um mundo distópico, habitado por violentos humanos e zumbis. A trilha foi
assinada pelo uruguaio Gustavo Santaolla, o mesmo de “Babel” e “Brokenback
mountain”.
Carlos Albuquerque -
jornalista do Globo
Fonte: jornal Globo