Pulga atrás da orelha


Já pensou que drama descobrir aos 70 anos que o montante poupado ao longo do tempo não é suficiente para proporcionar a renda complementar de que você precisa? Saber que a rentabilidade do produto escolhido, depois de pagar os custos e os impostos, foi bem menor do que a projeção feita anos atrás?

Caio escolheu o VGBL para acumular sua reserva financeira. A escolha foi baseada na confiança depositada no gerente que afirma que a rentabilidade será sempre superior à de um fundo de investimento. Entretanto, tem acompanhado a decepção de muitos que resgatam menos do que esperavam.

Desconfiado, com uma pulga gigante atrás da orelha, quer saber quanto dinheiro terá daqui a
30 anos, com aportes mensais de
R$ 1.600, e se é verdade que, dadas as mesmas condições, o VGBL sempre ganha de um fundo de investimento. A desconfiança de Caio tem fundamento.

O ARGUMENTO

As aplicações em fundos de
investimento são punidas por pagar Imposto de Renda antecipado,
nos meses de maio e novembro. O VGBL, por sua vez, paga imposto somente no resgate. Apesar dessa aparente vantagem, não é possível afirmar que a rentabilidade será sempre superior, mesmo que as alíquotas do imposto sejam idênticas, e não são.

Caio contratou o VGBL com o regime de tributação exclusiva na fonte que adota a tabela regressiva. O imposto varia de 35% a 10%, a partir de dez anos, enquanto os fundos pagam 15%, a partir de dois anos.

Se o resgate for feito nos primeiros oito anos, a rentabilidade líquida do VGBL tende a ser menor.
Decorrido esse prazo, é correto afirmar que o imposto do VGBL dói menos no bolso do investidor. Entretanto, a tributação é apenas um pedacinho da equação; isoladamente, não garante mais dinheiro na hora do resgate.

RENTABILIDADE BRUTA

O Imposto de Renda, tanto no VGBL quanto nos fundos de investimento, é devido sobre o rendimento bruto, descontada a taxa de administração. A comparação entre os produtos considera que ambos cobram a mesma taxa, mas qual será a rentabilidade de cada produto antes da cobrança dessa taxa? Impossível saber.

Mesmo que os dois produtos sejam de "renda fixa", a rentabilidade bruta -depois da taxa e antes do imposto- pode ser bem diferente. Um pode investir em taxa prefixada e o outro não. Títulos atrelados a índice de inflação, sujeitos a grande oscilação de preços, outra diferença importante. O prazo médio dos títulos e diferentes níveis de exposição ao risco de crédito (títulos privados) ajudam a explicar por que o desempenho de um produto pode ser bem diferente do outro.

VAI GANHAR QUANTO?

Quanto dinheiro Caio terá acumulado daqui a 30 anos? Impossível afirmar, possível prever, infelizmente com grande margem de erro. As simulações são feitas, em geral, com taxa nominal de juros, que embute a inflação. O valor futuro acumulado impressiona, mas é falso. Representa a quantidade de dinheiro disponível, mas não o seu poder de compra. Para chegar mais perto da realidade, utilize uma taxa real de juros, acima da inflação.

Vamos fazer a simulação do Caio, com aportes mensais de R$ 1.600 e prazo de 30 anos para demonstrar a diferença. Com juro nominal estimado de 10% ao ano, Caio terá acumulado um montante bruto
de R$ 3.300.000. Nossa, quanto dinheiro!

Qual será o poder de compra desse monte de dinheiro daqui a 30 anos? Se projetarmos a acumulação com juro real de 3% ao ano, Caio terá acumulado cerca de R$ 930.000. Que diferença! Seja conservador na expectativa dos ganhos futuros. Melhor se surpreender do que ficar decepcionado com ganhos que não aconteceram.

O argumento fica ainda mais inadequado se ponderarmos que existem outras formas de acumulação de capital, que, assim como o VGBL, pagam IR somente no resgate e que algumas não pagam Imposto de Renda. O melhor produto talvez não seja único, diversificar vale a pena. E certamente não deixa uma pulga atrás da sua orelha. 

Marcia Dessen - planejadora financeira pessoal, diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros) e autora do livro "Finanças Pessoais: o que fazer com meu dinheiro" (Trevisan Editora, 2014).

Fonte: coluna semanal jornal FSP

 

 

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