Gravidez muda o cérebro
A reorganização forçada pelo custo da gestação pode
ser uma coisa boa
Liz Chrastil não é qualquer neurocientista.
Ela tem
acesso a um aparelho de ressonância magnética, fundos para bancar seu uso e,
quando planejou sua gravidez, ela agarrou a oportunidade de ouro para fazer o
que somente alguém como ela poderia fazer: coletar imagens anatômicas do
próprio cérebro antes, durante e depois da gravidez.
Os resultados foram publicados no final de 2024 na
revista Nature Neuroscience. Já
era sabido que o cérebro grávido perde peso, mas o estudo detalhado da própria
gravidez de Chrastil mostra que a perda é progressiva conforme o feto cresce, e
o parto é um ponto de inflexão.
A perda de massa cerebral, da ordem de 5% da
substância cinzenta do córtex cerebral como um todo, não é enorme e também não
é necessariamente ruim.
Uma perda semelhante ocorre durante a adolescência, presumivelmente conforme o
cérebro se remodela de acordo com as novas experiências e valores, um processo
que envolve tanto formação de conexões novas quanto eliminação de conexões
irrelevantes —e do outro lado sai um jovem adulto, com um cérebro pronto para a
vida independente.
De fato, algumas regiões do cérebro de Chrastil,
envolvidas em introspecção e controle emocional, ganharam volume durante a
gestação.
Talvez a gravidez, com sua carga sobre a disponibilidade de energia
para o cérebro materno, seja uma oportunidade de faxina cerebral forçada que
muda o que importa para o cérebro —e do outro lado sai, junto com o bebê, um
cérebro pronto para a maternidade.
A lógica da faxina cerebral que reforça uns
circuitos mas não outros também vale para o hipocampo e hipotálamo, que
sabidamente são sensíveis aos hormônios da gravidez e são centrais aos
comportamentos maternos de cuidado com a prole.
No cérebro de Chrastil, também
essas estruturas passaram por remodelagem, perdendo volume durante a gravidez.
De fato, há evidências de que a formação do apego da mãe com sua cria acompanha
a redução (não aumento) dessas regiões do cérebro.
Além disso, nem tudo é redução no cérebro grávido.
Se por um lado o volume da matéria cinzenta, onde ficam os corpos dos
neurônios, encolhe de maneira detectável, por outro a conectividade pelos
longos cabos de axônios na substância branca aumenta até o fim do segundo
trimestre —mas depois se reduz de novo, e já voltou ao normal ao fim da
gestação.
A
partir do parto, o volume do cérebro de Chrastil se recuperou progressivamente
—mas, nos dois anos que se seguiram, não voltou ao que era antes.
O resquício
duradouro da gestação sugere que a redução da substância cinzenta durante a
gravidez não é simplesmente resultado do acúmulo de líquido, inclusive na forma
do líquor que circula no cérebro, e que possivelmente comprimiria o tecido
cerebral.
Os adeptos mais ferrenhos da seleção natural dirão que a
reorganização do cérebro durante a gestação deve ser adaptativa.
Sei não. Para
mim, o encolhimento do córtex cerebral durante a gestação é antes de mais nada
prova de que a gravidez é um peso tão grande no metabolismo da mãe que chega a
atingir o cérebro; nesse caso, conforme o cérebro é obrigado a dividir os
recursos do corpo cada vez mais com o feto, a reorganização é inevitável —e o
resultado, ainda assim, é bom, com um cérebro materno tanto encolhido quanto
enxuto, e que se importa profundamente com o bem-estar do rebento.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga
e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).