Nossas crianças não sabem
andar, correr, cair sem se machucar gravemente, tampouco avaliar riscos.
Paulo tem dez anos. Ele gosta de correr, de brincar, de se
movimentar. Um dia, ao final da aula, enquanto esperava o pai ir buscá-lo na
escola, brincava no pátio com as outras crianças. Decidiu escalar a trave de
futebol e, nessa empreitada, caiu. Quebrou o osso de uma perna e teve de se
submeter a uma delicada cirurgia em que foram colocados pinos, e passou mais de
três meses em cadeira de rodas.
Laura tem oito anos. Um dia sua mãe foi surpreendida por um
telefonema da escola, pedindo para que fosse encontrar a filha e uma
acompanhante em um hospital. Ela havia caído sozinha, por ter tropeçado
enquanto caminhava –não corria– para a sala de aula. Fraturou o cotovelo do
braço direito, foi submetida a uma cirurgia e faz fisioterapia até hoje para
recuperar os movimentos do braço.
Clara caiu de boca no chão em casa, ao tropeçar no tapete da
sala. Partiu os lábios profundamente e teve de levar pontos. Ela tem sete anos.
Nossas crianças não sabem andar, correr, cair sem se machucar
gravemente, tampouco avaliar riscos. De zero a 14 anos, as quedas foram
responsáveis por mais de 50% das internações de crianças e adolescentes entre
2008 e 2012, segundo dados disponíveis no site criancasegura.org.br. Não é
assustador?
Basta observar um agrupamento de crianças –principalmente na
hora do recreio, e na entrada e saída da escola, que são excelentes situações
para isso– para constatar o quanto as crianças não têm domínio de seu corpo, do
espaço físico que usam, e do espaço que o outro ocupa. Ao andar, as crianças
trombam umas nas outras, ora porque não olham para onde andam, ora porque não
querem se desviar de seu rumo. Ao chegar na escola, carregando suas malas
extraordinariamente grandes, não são capazes de calcular que precisam de mais
espaço, e não é raro que machuquem outras crianças, e até adultos, com suas
malas.
Aliás, os adultos também agem assim: quem usa transporte público
ou caminha pelas ruas também leva "mochiladas" e "bolsadas"
dos outros transeuntes.
Quando as crianças correm e tropeçam –incidente muito comum na
infância– desabam no chão sem ter a menor noção de que poderiam se proteger,
pelo menos um pouco, na queda.
Quando querem subir em uma árvore ou em outro local, não
conseguem avaliar como fazer isso da maneira menos perigosa, ou desistir caso
percebam que o risco é grande.
As crianças não sabem sequer que piso molhado pode ser
escorregadio, por isso não tomam cuidado algum quando caminham sobre ele.
Além disso, elas também não sabem adotar a melhor postura
corporal quando sentam-se para estudar e escrever, quando jogam, quando se
alimentam ou mesmo quando estão descansando.
Nossas crianças, quando se descontrolam e brigam fisicamente,
por exemplo, podem machucar gravemente o colega, porque não sabem regular a
força que têm.
Diversos educadores físicos têm afirmado que estamos criando uma
geração de analfabetos corporais. Os números das internações por quedas podem
ser um índice de que nossas crianças não têm consciência corporal. Precisamos,
com urgência, em casa e na escola, ensinar nossas crianças a aprender a lidar
melhor com seu corpo no espaço que ele ocupa.
Rosely Sayão – psicóloga e consultora em educação
Fonte: caderno cotidiano / jornal FSP