Precisamos atuar agora para recuperar a perda
educacional
A
educação brasileira já estava em crise antes da pandemia e, depois dela, a
situação vai se agravar.
Já temos clareza que a América Latina foi
pesadamente afetada pela pandemia. Até agora, 30% das mortes do mundo ocorreram
em países latino-americanos.
Também já sabemos que o Brasil está sendo um dos mais afetados, não só pelas
vidas perdidas, mas também por ser o país onde aproximadamente 48 milhões de
crianças ficaram mais tempo fora da escola.
Se as estimativas do número de crianças com
limitada participação do ensino remoto são
bastante precisas, ainda é pouco claro qual será o impacto real da pandemia no aprendizado.
É bom lembrar que mesmo antes da pandemia a
educação brasileira já estava em crise.
De acordo com o Banco Mundial, uma a
cada duas crianças não conseguiam ler um texto básico aos 10 anos de idade em
2019.
Depois da pandemia, naturalmente, esta situação se agravará. Alunos que
já possuíam dificuldades para desenvolver habilidades básicas terão ainda mais
desvantagens (no plural).
Em nosso relatório regional recente (Acting Now to
Protect the Human Capital of Our Children), o Banco Mundial estimou que o
percentual de crianças que não compreendem um parágrafo aos 10 anos de idade
pode aumentar de 50,8% para 62% no Brasil.
Em um cenário mais atualizado, por
conta do agravamento da pandemia, esta estimativa aumenta para 70% das crianças
brasileiras.
Isto ocorre porque um dia de escola fechada não
equivale a um dia de escola aberta.
A experiência internacional, e alguns dados
já levantados para o Brasil, sugerem que o desgaste emocional, social e
econômico na pandemia impactaram em magnitude maior que um ganho decorrente do
mesmo período dentro da escola.
Uma das razões para este fato está no ensino
remoto não ser tão eficaz quanto o ensino presencial, e o local disponível para
o aluno acessar o conteúdo varia muito dentro do país.
O ambiente escolar é também fonte de aprendizado e
não pode ser replicado facilmente.
Uma pesquisa da Fundação Lehmann demonstrou
que enquanto 52% dos alunos do nordeste participaram de atividades remotas, na região
Sul esse percentual chegou a 92%.
Desigualdades de acesso, de qualidade, e pouco
apoio familiar nas atividades remotas devem ainda encontrar o seu melhor
formato. Desigualdade, sem ações mitigatórias, gera mais desigualdade.
E depois da pandemia?
Bem, aprender menos hoje
implica em menor produtividade futura. Um mercado competitivo precisa de
trabalhadores produtivos e prontos para absorver novas habilidades.
O Indicador de Capital Humano do Banco Mundial
mostra que uma criança nascida no Brasil em 2019 desenvolveria apenas 60% do
seu potencial total “se as condições de saúde e educação de 2019 fossem
mantidas”. Com a pandemia, este é um grande “se”.
Estimativas preliminares indicam que a Covid reduzirá o capital humano futuro em
ao menos 15%.
Em outras palavras, é como se o Brasil regredisse ao nível de
capital humano que tinha no ano de 2007.
Se o ritmo de crescimento na
pré-pandemia for mantido, somente em 2044 o Brasil alcançará o nível que tinha
em 2019.
E agora? O que pode ser feito o quanto antes?
Os
problemas são múltiplos mas parecem ter uma sequência de ação.
Até que todo mundo esteja vacinado, o primeiro passo é
trazer confiança nos protocolos de reabertura escolar.
Não basta desenharmos
bons protocolos: é necessário engajar professores e familiares, e convencê-los
que esta é uma estratégia segura e eficaz.
Com pouca confiança, poucos voltarão mesmo com os
portões das escolas abertos (como já visto em algumas redes escolares do país e
do mundo).
Com o aumento das vulnerabilidades sociais e econômicas dos alunos e
familiares, coordenar a reabertura com programas de segurança social
(alimentação e apoio emocional) torna-se ainda mais crucial.
Da mesma forma, estudos apontam que o fechamento
prolongado de escola gera um aumento significativo e imediato na evasão e
abandono escolar. No Brasil, não podemos esperar outro desfecho.
Porém, para mitigar estes riscos de evasão e abandono,
países vêm implementando diferentes formatos de busca ativa (já tradicional no
Brasil) e Sistemas de Alerta Preventivo.
Tais sistemas estimam o risco dos
alunos evadirem da escola antes que a evasão efetivamente ocorra. Quando alunos
em risco são identificados, o sistema aponta para a necessidade de suporte
adicional.
Com a volta das aulas presenciais, as perdas
específicas de aprendizado deverão ser mapeadas.
Visto que alguns alunos
mantiveram o aprendizado, outros aprenderam o mínimo, e muitos desaprenderam na
pandemia, é importante que este diagnóstico seja o mais amplo possível.
Mapear apenas alunos mais propensos a voltar para a
escola decididamente descreverá um problema menor do que estamos realmente
enfrentando.
Quanto mais inclusiva a reabertura, mais informativo será este
mapeamento.
Munidos com a informação do diagnóstico, países
estão enfrentando estas dificuldades implementando estratégias de tutorias
personalizadas nas escolas.
Alunos com dificuldades similares são reagrupados
(geralmente no contraturno), independentemente da série que se encontram, onde
um tutor utiliza materiais estruturados focados justamente nestas fragilidades
básicas.
O Brasil é um laboratório de políticas públicas a
céu aberto. O carácter decentralizado do sistema educacional brasileiro, onde
estados e municípios são responsáveis por ciclos educacionais diferentes, dá
margem para soluções adaptadas.
Temos redes pequenas, outras relativamente maiores;
redes que gastam menos por aluno, outras que gastam mais; muitas no Nordeste,
outras no Sudeste, que alcançam resultados educacionais convincentes.
Essa
diversidade é uma vantagem; uma oportunidade única para potencializar ações com
evidência positiva, realinhar os sistemas educacionais de maneira mais
inclusiva e também às necessidades do mercado de trabalho.
A discussão para os próximos anos não pode ser o
que deveríamos ter feito para mitigar os impactos da pandemia. É importante
agirmos agora ou o quanto antes.
Esta coluna foi escrita em colaboração com Ildo
Lautharte, economista do Banco Mundial.
PABLO ACOSTA - Economista
líder de Desenvolvimento Humano para o Brasil do Banco Mundial e doutor em
Economia pela Universidade de Illinois (EUA)