O que o tal do alimento industrializado tem de ruim
Não é um pó de
pirlimpimpim do mal salpicado assim que ele entra na fábrica
É duro navegar o mundo de hoje, cheio de
complexidades, sem uma base sólida de educação com a qual tomar as decisões
mais simples, começando com quanto se exercitar e o que comer.
Por exemplo:
Herman Pontzer, da Universidade Duke, argumentou
recentemente em um estudo do metabolismo de milhares de pessoas mundo afora que
a culpa da obesidade não está na falta de exercício.
A mídia, é claro, adorou a notícia, que é música para os ouvidos de quem acha
que atividade física é um estorvo, coisa de
médico chato que não sabe consertar a gente com um remedinho.
A conclusão do grupo de Pontzer é baseada em
gráficos que mostram que pessoas com uma mesma taxa diária de uso de energia, e
portanto supostamente o mesmo nível de atividade, são muito mais gordas em
países mais industrializados.
Mas é preciso ser cientista desconfiada e murrinha
como eu para ir catar os gráficos originais, enterrados em material suplementar atrás
de vários cliques, e descobrir o óbvio, lá na figura suplementar 3A: que também
é verdade que, para um corpo de mesma massa magra (quer dizer, descontando a
gordura acumulada), pessoas que vivem em sociedades industrializadas, em geral
mais gordas, usam muito menos energia por dia do que as que vivem em sociedades
agropastoris e horticultoras, em geral mais magras.
Ou seja: é claro que
atividade física diária faz uma diferença enorme. Se a dieta fosse igual, o
menor uso de energia por dia já bastaria para explicar o sobrepeso nas
sociedades industrializadas.
Mas é óbvio que a dieta também não é igual entre
países mais e menos desenvolvidos, e o grupo de Pontzer, com suas análises
chiques, atribui a obesidade prevalente nas sociedades industrializadas menos à
falta de atividade e mais ao que elas comem, sobretudo os tais alimentos
ultraprocessados, ou "industrializados".
É claro que a dieta dos países industrializados é
um problema, mas me dana a demonização dos "alimentos
industrializados" sem mais explicações, como se toda carne ou vegetal
fosse salpicado com um pó de pirlimpimpim do mal ao adentrar uma fábrica de
processamento.
O que torna esses alimentos um problema não é o fato de serem
ultraprocessados em indústria, mas o que exatamente eles contêm, que é um mundo
de calorias sobretudo na forma de "açúcar" que traz aos nossos lares
quantidades de fato industriais de um agora conhecido veneno para o
metabolismo: frutose.
Açúcar de mesa é sacarose purinha, extraída e de fato
processada da cana. Sacarose é metade glicose e metade frutose, e é a frutose
–açúcar natural de várias frutas– que é um problema para a saúde.
Uma vez no sangue, a frutose é distribuída a todas as células do
corpo, onde ela tem sua própria cadeia metabólica que desvia o fluxo normal de
geração de ATP das mitocôndrias a partir de glicose, interrompe o uso de
reservas de gordura como fonte de energia, e de quebra promove a produção e o
acúmulo de gordura no corpo.
É a frutose que causa a doença metabólica que vira
obesidade e diabetes.
Frutas são "naturais", mas fonte de
frutose do mesmo jeito. O "açúcar" de cada lata de refrigerante ou
uma boa fatia de bolo tem 20 gramas de frutose, mas uma banana ou uma maçã,
perfeitamente naturais, têm uns seis gramas de frutose cada.
O
"natural" não é necessariamente bom, e o "industrializado"
não é necessariamente ruim. O diabo é que é preciso se educar para saber a
diferença.
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA)