Mesmo que capaz de feitos
assombrosos, o cérebro humano parece deslizar na racionalidade. Decisões que
envolvem ganhos e perdas de dinheiro são um desses terrenos particularmente
escorregadios. Por exemplo: você preferiria ganhar 80 reais agora, garantidos
(provavelmente sim!), ou rodar uma roleta que lhe dá 80% de chance de ganhar
100 reais, mas 20% de chance de não ganhar nada?. Por outro lado, você
preferiria ter que pagar 80 reais agora, garantidos (de jeito nenhum!), ou
rodar a roleta e correr 80% de chance de ter que pagar 100, mas 20% de chance
de não pagar nada?
A preferencia do cérebro humano
por correr riscos quando há chance de ganho em contraste à aversão por
exatamente o mesmo risco quando há chance de perda é algo que economistas há
décadas tentam explicar racionalmente. O problema é ainda mais complicado porque
a preferência se inverte quando o contexto econômico atual da pessoa é muito
ruim. Mas talvez a explicação não esteja em qualquer tipo de raciocínio, e sim
em algo muito mais elementar, que outros animais também tem: a representação de
valores positivos e negativos. Em português comum: emoções, mesmo.
Em uma palestra recente no
Instituto Gulbenkian, em Portugal, Tim Fawcett, da Universidade Exeter, no
Reino Unido, mostrou que pássaros apresentam o mesmo tipo de sensibilidade
irracional a riscos que humanos demonstram –e, mais importante, seu
comportamento pode ser explicado por um modelo matemático simples que, além do
risco, depende apenas do valor positivo ou negativo das circunstâncias atuais.
Os modelos de Fawcett mostram
que para quem está em momentos muito bons, evitar riscos é vantajoso porque
aumenta as chances de continuar bem, enquanto correr riscos é a melhor
estratégia para quem está na pindaíba (e quem sabe assim melhora de vida). No
meio do caminho, contudo, correr riscos é bom para quem está quase bem, mas uma
péssima decisão para quem estava saindo da pindaíba, porque a chance de voltar
para ela é grande.
Para tomar boas decisões, basta
um cérebro que consiga representar resultados bons e ruins – e isso mesmo os
cérebros mais simples tem nos sistemas de recompensa e de aversão,
respectivamente. Talvez o que mude em cérebros mais complexos, como o nosso,
com mais neurônios para trabalhar informações, seja a capacidade de, depois da
decisão já tomada, se contar historinhas sobre o que foi feito e por quê. E
nisso, nós humanos somos craques.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com