A necessária
reforma da previdência
As discussões
sobre as finanças públicas do Brasil frequentemente passam pela Previdência
Social, mas raramente as declarações de membros do governo sobre o tema são tão
incisivas quanto as recentes palavras do secretário do Tesouro Nacional,
Rogério Ceron.
Em entrevista concedida à revista Exame, o secretário afirmou
categoricamente que o país terá inevitavelmente de enfrentar novas reformas
previdenciárias, considerando esse passo como “irrefutável”.
A declaração
surpreendeu, em especial por partir de um integrante do governo petista,
conhecido por sua resistência histórica a mudanças significativas no sistema
previdenciário.
Tradicionalmente, membros do Partido dos Trabalhadores têm
dificuldade em reconhecer até mesmo a existência do déficit previdenciário, o
que torna o alerta ainda mais significativo e simbólico do reconhecimento da
gravidade da situação.
Os motivos
apontados por Ceron são claros e objetivos: o envelhecimento acelerado da
população e o aumento constante da expectativa de vida, que demandam
atualizações periódicas nas regras de concessão de benefícios.
Essa é uma
realidade que, embora óbvia, costuma enfrentar resistência política,
especialmente em momentos pré-eleitorais, quando tais medidas podem afetar
diretamente a popularidade de governantes.
Dados do próprio
governo para 2025 são alarmantes. Pela primeira vez, os gastos com benefícios
previdenciários devem ultrapassar a marca simbólica de R$ 1 trilhão.
Trata-se
de um marco preocupante que reforça a necessidade de discutir soluções mais
sustentáveis e que aliviem os cofres públicos em médio e longo prazo.
Entre os fatores
que pressionam o orçamento previdenciário, a política de valorização do salário
mínimo adotada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganha destaque.
Reativada na gestão atual, ela reajusta automaticamente o piso nacional acima
da inflação, o que consequentemente amplia os gastos com aposentadorias e
pensões, já que esses benefícios são diretamente vinculados ao valor mínimo.
Desde a aprovação
da última reforma previdenciária, em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro,
os efeitos positivos esperados têm mostrado sinais claros de esgotamento.
A
rápida deterioração dos resultados da reforma anterior revela que ajustes
estruturais mais profundos serão inevitáveis no futuro próximo, sob pena de o
país enfrentar crises fiscais ainda mais severas.
Outra frente
preocupante está relacionada ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Este
auxílio, destinado a idosos em situação de vulnerabilidade e pessoas com
deficiência, também tem seu valor vinculado ao salário mínimo.
Consequentemente, as despesas com o benefício têm crescido em ritmo acelerado,
muito acima das receitas obtidas pela economia nacional.
Para ilustrar o
tamanho do desafio, basta analisar a evolução dos gastos com o BPC: em 2019,
eram R$ 58,7 bilhões e, para 2025, as projeções indicam desembolsos superiores
a R$ 112,9 bilhões, praticamente dobrando em apenas seis anos.
Caso continue
nesse ritmo, o valor gasto com o BPC logo se equiparará ao do Bolsa Família,
principal programa de transferência de renda do país.
A dimensão dessa
comparação não é trivial. O Bolsa Família, atualmente, beneficia mais de 20
milhões de famílias e tem orçamento previsto para 2025 próximo a R$ 160
bilhões.
Isso sugere que em breve o país terá um gasto com o BPC praticamente
igual a um programa com alcance social muito mais amplo, o que demanda uma
reflexão cuidadosa da sociedade sobre suas prioridades fiscais.
No final do ano
anterior, o governo tentou propor ajustes no BPC, enviando um projeto de lei ao
Congresso Nacional. Contudo, a proposta foi rejeitada, situação agravada pela
pouca convicção demonstrada pelo presidente Lula quanto à necessidade da
medida, enfraquecendo politicamente a iniciativa perante os parlamentares.
É evidente que o
presidente Lula valoriza fortemente as políticas sociais de aumento real do
salário mínimo.
Essa postura política, embora popular e de impacto social
imediato, implica riscos fiscais elevados no médio prazo, especialmente quando
se fala em Previdência e benefícios vinculados diretamente ao piso salarial.
Diante desse
contexto, caberia ao Executivo liderar um amplo debate nacional sobre as
questões demográficas e fiscais que cercam a Previdência Social, com propostas
transparentes e sustentáveis.
Contudo, as resistências internas do próprio
governo têm dificultado a tomada de medidas concretas que possam evitar o
agravamento da situação no futuro próximo.
Não é difícil
prever que a continuidade da situação atual possa levar a uma situação fiscal
insustentável em poucos anos, deixando para futuros governos decisões ainda
mais duras e impopulares.
Este cenário de procrastinação política pode gerar
consequências econômicas e sociais dramáticas para as próximas gerações.
Especialistas no
tema alertam constantemente sobre o perigo dessa postura política. Segundo
esses analistas, postergar medidas essenciais apenas prolonga a crise e torna
as soluções futuras ainda mais difíceis e dolorosas para a população.
Quanto
mais cedo forem adotadas reformas estruturantes, menores serão os sacrifícios
impostos à sociedade.
É necessário
considerar que o Brasil enfrenta um desafio demográfico semelhante ao de países
desenvolvidos, porém com uma base econômica muito menos sólida.
Essa realidade
torna as medidas previdenciárias especialmente importantes para garantir a
estabilidade financeira e social no futuro.
Países
desenvolvidos já passaram ou estão passando por situações similares e adotaram
reformas mais rígidas, muitas delas impopulares no curto prazo, mas
fundamentais para garantir o equilíbrio fiscal em longo prazo.
O Brasil
precisará, inevitavelmente, trilhar caminho semelhante, adequando regras e
critérios previdenciários à realidade econômica e demográfica.
Cabe ressaltar
ainda que não se trata apenas de reduzir gastos, mas sim de encontrar
equilíbrio que garanta sustentabilidade econômica e justiça social.
Este ponto
é crucial para que reformas futuras possam ter aceitação política e social,
diminuindo resistências e facilitando sua implementação.
Portanto, é
imprescindível que o governo federal assuma liderança efetiva nesse debate,
promovendo amplo diálogo com a sociedade, especialistas e parlamentares.
As
soluções devem ser buscadas com seriedade e realismo, enfrentando a gravidade
do problema previdenciário com coragem política.
A declaração de
Rogério Ceron, nesse sentido, é um primeiro passo simbólico e importante,
indicando que dentro do próprio governo já há consciência sobre a
inevitabilidade de novas reformas. Resta saber se o presidente Lula terá
disposição e condições políticas para liderar esse difícil processo.
Por fim, está
claro que enfrentar os problemas previdenciários agora é uma necessidade
urgente, não uma opção política.
O adiamento dessas decisões só tornará mais
dolorosa a realidade futura. É preciso que o país tenha maturidade suficiente
para reconhecer e enfrentar a situação antes que a “bomba fiscal” exploda
definitivamente nas mãos das próximas gerações.
Fonte:
Assistants Consultoria Atuarial