Se o mundo fosse igual daqui a 10 anos, aí faria sentido o nosso
esforço para a escola continuar da mesma maneira
E
se daqui a 10 anos a vida fosse muito parecida com a que vivemos hoje?
Se, por exemplo, o mercado de trabalho funcionasse como o
conhecemos: com a oferta de empregos em empresas que teriam carga horária
semanal predeterminada e horários de entrada e saída idem --com alguma
flexibilidade-- e com a possibilidade de horas extras de trabalho para os
funcionários darem conta das tarefas exigidas?
Se, nessas empresas, os trabalhos exigissem uma formação
acadêmica específica e as tarefas em equipe fossem realizadas como têm sido
frequentemente hoje, ou seja, com um chefe --ou líder, como gostam de nomear as
corporações que se pretendem inovadoras, mas que age como chefe mesmo,
organizando sua equipe, cobrando e dividindo o trabalho entre os integrantes
dos setores de modo que os resultados sejam parecidos com um "Frankenstein",
como é feito hoje?
Se os conhecimentos mais valorizados nos empregos fossem
prioritariamente os técnicos e os especializados, adquiridos nas escolas, e se
o acervo cultural das pessoas não fosse sequer averiguado, como hoje acontece?
E os cursos universitários? Seriam os mesmos de hoje, com
pequenas variações, mas com funcionamentos tradicionais e direcionados a um
mercado já estabelecido e estável.
E a tecnologia? Claro que esperamos que ela avance ainda mais,
mas os aparelhos continuariam os mesmos, a maneiras de utilizá-los também, com
uma pequena novidade a cada novo modelo. Exatamente como acontece, em geral,
hoje.
Ah! E o uso da criatividade em qualquer função profissional?
Seria como hoje, ou seja, um discurso interessante e estimulante que, na
prática, cede espaço ao tradicional e ao conhecido.
Se o mundo, daqui a uns 10 anos, fosse exatamente assim, aí
faria sentido todo nosso esforço para que a escola brasileira continuasse
funcionando da mesma maneira.
Faria sentido, por exemplo, que os pais que têm recursos
suficientes investissem tudo o que podem --e às vezes até o que não podem--
para colocar o filho em uma escola considerada forte a fim de assegurar ao
jovem uma boa colocação no vestibular concorrido de algumas poucas faculdades
que oferecem cursos super tradicionais.
Se fosse assim, também faria muito sentido que valorizássemos
tanto, no aprendizado escolar, a medição dos acertos que cada aluno é capaz de
fazer nas provas. Da mesma maneira, também faria sentido valorizarmos o
espírito competitivo com os outros que esse esquema de avaliação produz e
entendermos que bom aluno é o que tira boas notas, independentemente do esforço
que teve para tanto.
Se fosse assim, também faria sentido considerarmos irrelevante o
fato de as escolas não valorizarem a brincadeira e o contato com a natureza na
Educação Infantil, a prática para o aprendizado no ensino fundamental e a arte
e a filosofia em todos os níveis de ensino.
Isso sem falar que também faria o maior sentido pouco nos
importarmos, como agora, com o projeto de educação para a cidadania e a
convivência respeitosa nas escolas.
Faria muito sentido também o fato de considerarmos de pouca
importância o diálogo entre as escolas e as famílias dos alunos. Aqui, é bom
lembrar que diálogo não significa, necessariamente, parceria.
Mas, pelo jeito, não será assim. Resta aos pais e à escola,
portanto, torcerem para que o mundo permaneça igualzinho ao que é hoje.
Rosely Sayão –
psicóloga, consultora em educação, autora do livro “Família: modos de usar”,
colunista do jornal Folha de São Paulo
Fonte: caderno equilíbrio do jornal Folha de São Paulo.