A cultura do mundo virtual


Os mais novos não estão aprendendo muita coisa sobre como se comportar quando estão na internet.


O chamado mundo virtual --esse no qual entramos e passamos um tempo quando acessamos a internet-- é demasiadamente real.


Eu tenho considerado a possibilidade de que o fato de o termos nomeado virtual possa ser uma das razões que colaboram para nos deixar confusos quando estamos nele. É que essa nomeação nos leva a crer que esse é um mundo à parte de nossas vidas. Não é.


De modo geral, nós adultos, independentemente da classe social, cultural e do nível de escolaridade e/ou de conhecimento, não aprendemos ainda a entender a complexidade desse espaço na prática, ou seja, quando fazemos uso dele.


Isso significa que os mais novos não estão aprendendo muita coisa em relação a como se comportar quando estão na internet, ou melhor, estão até aprendendo, mas muita coisa errada.


Já temos diversos e bons protocolos de segurança que ajudam bastante os pais que têm a missão de proteger os filhos quando eles acessam a rede; temos também programas especializados que os pais podem instalar nos computadores que os filhos usam e que impedem que as crianças tenham contato com material inadequado à idade deles ou aos valores familiares.


Finalmente, temos inúmeras e boas cartilhas de orientação a pais sobre como proceder quando os filhos usam a internet. Não basta. Precisamos avançar.


Primeiramente, é urgente que aceitemos o fato de que, na internet, não há privacidade. Basta lermos as notícias que as mídias nos apresentam para constatar que nem mesmo dados sigilosos de Estado estão a salvo atualmente. Ora, e por que nossas bobas conversas e/ou comentários virtuais estariam?


Sim, há quem só se interesse por informações confidenciais que podem ser publicadas por diferentes interesses. Mas há também quem tenha como único motivo expor nossas falhas, nossos preconceitos, nossas fragilidades. E há também quem goste de atacar tudo o que é diferente do que pensa, é bom lembrar.


Há quem acredite que os comentários grosseiros, agressivos, violentos e pessoais contra autores que têm a coragem de publicar suas opiniões a respeito de variados assuntos só surgiram com o advento da internet. Não, isso é coisa antiga.


O filme "Hannah Arendt" nos dá uma boa mostra desse fato. A diferença é que, antes da internet, apenas quem trabalhava na imprensa e o próprio autor do artigo sabiam dos comentários grosseiros ou violentos que seu texto suscitava. Hoje, com a internet, eles estão abertos todos.


Precisamos também considerar o fato de que os mais novos são impulsivos: eles primeiro agem, depois é que pensam. Na internet, isso é um grande problema porque, depois de algo publicado, é difícil, muito difícil, apagar. Até é possível deletar alguma bobagem que falamos ou fizemos, mas se alguém já registrou, já pode estar eternizado. O arrependimento, nesses casos, pode ajudar a não cometer o mesmo erro, mas não absolve o já cometido.


Não considero que nosso comportamento determine os comportamentos de nossos filhos, netos, alunos etc. Mas, no caso da internet, estamos criando uma cultura para os mais novos. E, atualmente, essa cultura afirma que na internet vale quase tudo e que só quem eu quero tem acesso ao que eu publico; temos construído a ideia de que ela é um parêntesis de nossas vidas.


Não podemos permitir que as crianças e os jovens acreditem nisso, por isso é importante que sejamos mais críticos, controlados e comedidos em nossas ações na internet, não é verdade?

Rosely Sayão – psicóloga, consultora em educação, é colunista do jornal Folha de São Paulo, autora entre outros do livro “família: modos de usar”.

Fonte: jornal FSP

 

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