Na expectativa das alianças
que irão recompor as forças partidárias para o segundo turno da eleição
presidencial, os jornais apresentam aos leitores um jogo de adivinhações que
tenta dissimular suas preferências políticas. Daqui para a frente, seja qual
for o movimento das peças, tudo será levado ao propósito maior da mídia
tradicional, que é recompor sua influência sobre o poder Executivo federal.
O núcleo das análises é o destino que será dado aos votos que
foram para a ex-ministra Marina Silva no primeiro turno. No entanto, há muita
especulação sobre o significado da manifestação dos eleitores e muito
desencontro nas opiniões em torno de algumas das disparidades reveladas pelas
urnas. Por exemplo, a derrota de Aécio Neves em Minas Gerais e o massacre
sofrido pelo Partido dos Trabalhadores em São Paulo, seu local de origem.
Em meio às profecias fundamentadas no desejo de seus autores,
pode-se encontrar alguma reflexão consistente, como a manifestação de humildade
dos diretores do Ibope e do Datafolha, os institutos de pesquisa que foram
desmoralizados pelas urnas.
Vale a pena observar o que diz Márcia Cavallari, diretora do
Ibope: “As pesquisas medem a opinião, e as opiniões vão mudando. Elas só se
consolidam quando o eleitor aperta o botão e confirma seu voto, lá na urna”.
Mais interessante ainda é a declaração de Mauro Paulino, presidente do
Datafolha: “Até por markenting, nós mesmos, dos institutos de pesquisa,
tratamos esses números divulgados na véspera como prognósticos, mas na verdade
eles são diagnósticos. Eles refletem uma realidade que já passou. Não estão
olhando para a frente”, disse o executivo.
Diante dessas duas confissões, restaria ao leitor e eleitor
perguntar: “Então, por que tanto barulho a cada rodada de consultas, se no fim
das contas essas pesquisas não retratam a realidade?” A resposta talvez esteja
embutida na própria pergunta: a imprensa dá muito valor às pesquisas de
intenção de voto porque elas passam uma ilusão de objetividade, oferecendo aos
editores a chance de manipular os dados e usar essa interpretação como
argumento para convencer o eleitor.
As
sandálias da humildade
Neste momento de transição entre os dois turnos da eleição
presidencial, por exemplo, os jornais tentam empurrar para a opinião do público
a tese de que todos os votos destinados a Aécio Neves e Marina Silva retratam
um desejo majoritário de mudança. Então, nos editoriais e nos artigos de seus
colunistas mais engajados, dá-se uma nova definição para essa suposta
manifestação dos eleitores, com o intuito de nominar o candidato que seria o
depositário desse desejo.
Essa
manipulação fica mais clara após a declaração explícita de apoio a Aécio Neves
feita pelo jornal O Estado de S.Paulo. Para o leitor típico do
tradicional diário paulista, não há estranheza: quem lê o Estado não
apenas espera que ele se declare contra o governo do PT, mas se regozija com
cada linha que reafirma essa orientação ideológica.
O jornal é conservador desde sempre, produz e realimenta uma
visão de mundo típica da elite paulista, e não há mal nenhum nisso. O problema
está em fingir-se uma expressão da vontade popular, coisa que nenhum dos
grandes diários representa.
Isso transparece quando a imprensa alimenta preconceitos para
obter certos efeitos eleitorais. Por exemplo, o debate sobre a redução da
maioridade penal é impactado por um assalto ocorrido na Universidade de São
Paulo, do qual participou um menino de nove anos de idade. Seria o caso de os
jornais questionarem: “Então, a maioridade penal deve começar aos sete ou aos
oito anos?” Não. Quando a realidade desmoraliza a tese reacionária, os jornais
deixam o assunto de lado.
As pesquisas são importantes para esse processo de manipulação –
porque sinalizam temores, desejos e aspirações difusas, que são interpretados
segundo o viés ideológico da imprensa. Essa agenda é trabalhada nas redações e
devolvida ao público alguns dias antes de cada nova rodada de pesquisa de
intenção de voto, de modo que o material colhido pelos institutos dá novo
impulso a esse círculo vicioso de manipulações.
Quando os institutos de pesquisa calçam as sandálias da
humildade e admitem que não perscrutam o futuro, mas tentam explicar o passado,
as distorções ficam escancaradas.
Luciano Martins Costa - Jornalista e escritor,
autor, é produtor e apresentador do programa Observatório da Imprensa.
Fonte: site Observatório da Imprensa
Comentário para o programa radiofônico do Observatório,
7/10/2014