No Brasil, os efeitos foram leves. Na
sexta (21) da semana retrasada, algumas pessoas tiveram dificuldade de acessar
por volta do meio-dia serviços como o Spotify.
Mal dava para imaginar que esse
pequeno incômodo era na verdade o maior ataque da história da internet, tendo
como alvo os EUA. Por lá, sites como Twitter, Airbnb, Netflix, "New York
Times" e CNN, entre outros, tornaram-se temporariamente inacessíveis, com
reflexos na Europa e, em menor escala, na América Latina.
Quem causou o ataque é um mistério. O
fato é que ele se valeu de objetos prosaicos do cotidiano que estão conectados
à internet. Objetos como câmeras de segurança, conversores de TV a cabo,
roteadores, gravadores digitais de televisão e assim por diante.
Muitos foram capturados da forma mais
básica possível. Seus donos jamais trocaram a senha e o login de fábrica dos
aparelhos (que pode ser algo como "admin, admin"). Em outros casos, a
segurança desses objetos foi simplesmente obliterada. Como são em geral baratos
(há câmeras de segurança que se conectam à rede vendidas por menos de R$ 20),
sua segurança também é rudimentar.
Na internet há linhas de código
facilmente encontráveis que transformam esses aparelhos em "escravos"
de hackers.
A partir daí são criadas nuvens
compostas por milhões de itens. Um verdadeiro "exército de
brancaleone" digital. Quando ele é acionado, dispara bilhões de pedidos de
conexão simultâneas contra os sites
atacados, que, afogados, saem do ar.
Neste último ataque o alvo foram os
computadores da empresa Dyn. Ela é uma importante fornecedora do chamado
"DNS" da rede, serviço que é necessário para completar qualquer
conexão usual. Com a queda da Dyn, produziu-se um efeito dominó que, por sua
vez, derrubou todos os sites que dependiam dela.
O ataque deixa claro que há alguém
testando meticulosamente quais os limites de resistência da internet global.
Colhendo informações sobre qual a capacidade necessária para comprometer os
principais componentes da rede mundial, a começar pelos EUA.
Vale dizer que, se um ataque dessa
envergadura fosse direcionado ao Brasil, possivelmente a internet no país seria
facilmente derrubada. Afinal, nossa capacidade de resposta imediata é
consideravelmente menor do que a dos EUA.
Quando se pensa em segurança na
internet, há ao menos três períodos. Nos anos 1980, a maior ameaça eram os
"vírus". No começo dos anos 2000, a preocupação passou a ser o furto
de informações pessoais,
como cartões de crédito e senhas bancárias.
No momento atual, a principal ameaça
são governos e outras organizações fartamente financiadas capazes de sustentar
ataques contínuos contra alvos específicos.
Nesse sentido, esse ataque recente
pode ser o prenúncio de uma discussão mais profunda que pode questionar até
mesmo os elementos mais básicos da internet. Afinal, não há nada mais dramático
para um país do que saber que uma parte essencial de sua infraestrutura está à
mercê de forças arbitrárias.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte: jornal FSP