A psicanalista Anna Veronica Mautner, em evento em São
Paulo em 2014 -
Envelhecer não é só perder força muscular e,
consequentemente, ter a pele menos flexível. Assim sendo, o que há de
importante no envelhecer é a mudança que ocorre na relação do eu (corpo e pele)
com o mundo.
Quando a intensidade do querer vai diminuindo, muitas mudanças ocorrem ao mesmo
tempo. Quando o meu querer é menos intenso, vou dando importância cada vez
menor a conseguir o que não está diretamente ao meu alcance.
Quando eu quero com força, estou dando uma importância grande ao que não tenho
e dizendo ao mesmo tempo que acredito na possibilidade de vir a ter o que estou
querendo.
Junto com o enfraquecimento do "querer" também enfraquece a força da
esperança. Viver sem esperança é difícil. Para não doer muito essa falta,
diminuo essa sensação de querer.
É sempre importante acreditar que vale a pena esperar.
A gente batalha quando prevê a possibilidade de conseguir. Neste lugar está o
receptáculo da consciência. Preciso acreditar que sou capaz de querer isto com
tanta força que passo a acreditar que vale a pena; que vai ser bom "pra
mim".
Muitas vezes queremos conseguir para diminuir a angústia do vazio; muitas vezes
queremos vitória apenas para nos sentirmos fortes. Outras inúmeras vezes queremos
paz, tão somente. Todo esse sobe e desce está em quanta energia coloco no
querer e na batalha para conseguir.
Tudo isso depende do quanto do tipo de energia que coloco no querer e na luta
para conseguir. Nada disso ocorre quando a confiança em mim mesma está abalada.
É complicado ter fé nas minhas possibilidades, na minha competência e no valor
do prêmio --objeto da fé.
Quando a gente é criança, não se conhece bem. Mede-se mal a competência na
adolescência; com o tempo, vamos aprimorando a percepção de si e do mundo.
Chamarei de maturidade o equilíbrio do que é a consciência da memória que temos
do resultado das lutas já empreendidas e de tudo o que essa batalha
ininterrupta nos ensinou.
É
preciso uma boa dose de autoconhecimento para vencer. Preciso ver se a luta
vale a pena. É preciso ver se a luta vale o valor do prêmio --objeto da fé.
Do começo da vida, em que mais perdemos do que ganhamos, vamos até a sabedoria
do envelhecimento. É a linha seguida pelos que não morrem cedo. Morrer cedo é
perder a chance de terminar a tarefa que nos coube no bem viver. Morrer cedo é
deixar a tarefa individual inacabada. Lutamos, perdemos e também ganhamos na
sabedoria do envelhecer bem vivido. Envelhecer bem é lembrar tudo aquilo que se
aprendeu vivendo.
Envelhecer bem é dar risada das rugas --traços do envelhecimento
Anna
Veronica Mautner psicanalista da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autora de "Cotidiano nas
Entrelinhas" (ed. Ágora)
Fonte:
coluna jornal FSP