Por que somos tão improdutivos
Estudo sugere que habilidades embutidas explicam 50% da diferença de
produtividade.
Na semana passada, a prestigiosa
revista inglesa The Economist publicou uma reportagem em que se
perguntava "por que os trabalhadores latino-americanos são tão
surpreendentemente improdutivos".
Como costuma acontecer, eles
foram ao que interessa.
A compreensão do subdesenvolvimento brasileiro passa
por conseguir descrever e entender nossa improdutividade.
Uma hora trabalhada no
Brasil gera um quinto de uma hora trabalhada nos Estados Unidos.
Nos últimos 30 anos, a academia
avançou bastante na compreensão das razões da baixa produtividade.
Na chamada do texto, a
Economist parecia jogar boa parte da responsabilidade pelos problemas de
produtividade da América Latina sobre os trabalhadores locais —uma opção
editorial que gerou mal-estar e protestos.
Esta é de fato a primeira
questão a ser respondida: quanto da baixa produtividade se encontra embutida no
trabalhador?
E quanto depende do entorno, isto é, da qualidade da gestão das
empresas e das instituições que estabelecem a regulação das relações das
empresas com elas mesmas e com o Estado, além das regras que estabelecem o
funcionamento do Estado?
O estudo "Capital humano e
contabilidade de desenvolvimento: novas evidências dos ganhos de salários com a
emigração", publicado em 2018 no excelente Quarterly Journal of Economics,
tenta identificar o peso das qualidades embutidas no trabalhador para o
diferencial de produtividade de cada país.
Faz isso a partir da observação
do ganho de salário que trabalhadores de
outras partes do mundo têm ao migrar para os Estados Unidos.
A ideia é que, ao emigrar, o
trabalhador carrega consigo todas as suas habilidades, conhecimento e
características embutidas, que passam, no entanto, a se relacionar com o
entorno da economia americana.
Se o ganho de salário ao migrar for muito
grande, o peso do entorno será maior do que o peso das características
embutidas no trabalhador. E vice-versa, se o ganho de salário ao migrar for
pequeno.
A inovação do estudo foi ter acesso a bases de dados com a
observação de muitas características do mesmo trabalhador antes e após a
imigração.
Em particular, sua qualificação, onde trabalhava e que renda recebia
—todas essas informações no país de origem, antes de emigrar.
As estimativas
sugerem que os fatores embutidos no trabalhador explicam 50% da diferença de
produtividade.
Os fatores embutidos são as habilidades cognitivas e as
habilidades socioemocionais que afetam a produtividade de cada pessoa. Ambas
dependem de uma escolarização básica de qualidade.
Se metade da baixa produtividade está embutida no trabalhador, a
outra metade é causada pelo entorno.
O primeiro item a destacar na lista
"entorno do trabalhador" são as práticas de gestão das empresas.
O
professor de Stanford Nicholas Bloom tem documentado, nas últimas décadas, que
as práticas de gestão variam muito entre diferentes economias e que essas
práticas estão fortemente correlacionadas com medidas de produtividade das
empresas.
Variações na gestão se correlacionam com variações de produtividade de
mais de 50%.
A princípio, seria razoável esperar que as empresas menos
produtivas fechassem as portas, como resultado da competição com as
concorrentes mais capazes, mas não é isso o que se constata.
Há muita má
alocação de capital e trabalho que persiste, e um conjunto incrível de empresas
ineficientes costuma sobreviver nos países mais pobres.
Não há ainda um consenso dos
efeitos quantitativos sobre a produtividade da má alocação do trabalho e do
capital em unidades produtivas ruins, mas, após década e meia de muita
pesquisa, parece ser conservador considerar números da ordem de 25% de perda de
produtividade.
Isto é, se considerarmos um setor da indústria bem delimitado —por
exemplo, produção de ladrilhos para construção civil—, a produtividade nos EUA
é pelo menos 25% maior simplesmente porque lá capital e trabalho estão alocados
em geral em empresas mais produtivas.
Evidentemente as causas aqui
elencadas —péssima qualidade da rede pública de educação básica, gestão ruim
das empresas e má alocação do investimento— resultam de regras, instituições
ruins e de um mau funcionamento do setor público. Temas para outras colunas.
O leitor atento deve ter notado
que carência de capital físico e especialização setorial não foram considerados
como fatores relevantes.
É porque, de fato, não são. Também aprendemos isso nas
últimas décadas.
SAMUEL PESSÔA - pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer
Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.