O preço da falta de disciplina


Você guarda dinheiro espontaneamente para obter juros ou por obrigação, porque não quer ser punido?

Sabemos que muitas das decisões que tomamos ao longo da vida são tomadas pela emoção, e não pela razão. Quando o assunto é dinheiro, seja na hora de gastar, seja na hora de guardar, não é diferente. Muita gente gasta mais do que ganha, sem nenhum limite ou planejamento.

Outras, independentemente de quanto ganham, fazem questão de economizar parte do salário para formar uma reserva financeira.

Já escrevi, algumas vezes, sobre a decisão de milhares de investidores de deixar o dinheiro na poupança, ganhando cerca de 7% ao ano, quando poderiam ganhar cerca de 11% (líquidos) em produtos tão ou mais seguros do que a caderneta.

Hoje quero voltar a falar sobre um produto comercializado em larga escala no mercado, o título de capitalização. Sem fazer julgamento de valor sobre o produto, intriga-me a decisão de milhares de pessoas que fazem essa escolha.

O produto tem um nome esquisito. Recorri ao dicionário e encontrei dois significados, um econômico e outro figurado. No sentido econômico, capitalizar significa "incorporar juros ao capital aplicado para que produzam renda". Essa não é uma característica do produto. No sentido figurado, significa "retirar proveito de; usufruir".

Talvez esse seja o conceito mais adequado e vamos entender por quê.

O título de capitalização é uma forma de guardar dinheiro e participar de sorteios. Os depósitos são feitos durante um prazo definido, com pagamento único, em parcelas mensais ou periódicas. Durante a vigência do título, o consumidor participa de sorteios e, no fim do prazo, resgata parte ou todo o dinheiro guardado. Resgate antecipado, antes do término de vigência do título, pune o consumidor, que recebe apenas parte do dinheiro guardado. Quanto mais cedo resgatar, menos dinheiro terá.

Apesar dos sorteios, a comparação com loteria fica comprometida, já que o título devolve parte do valor ou ele todo, conforme determinado no plano. Nas loterias, o dinheiro pago para concorrer ao prêmio não é devolvido, talvez porque a distribuição de prêmios e a probabilidade de ser sorteado sejam maiores.

Também não podemos comparar o produto com investimento pois a rentabilidade oferecida pela maioria dos títulos comercializados é próxima de zero. Guardar dinheiro apenas é muito diferente de investir. Pune o consumidor, que deixa de ganhar os juros que poderia obter em modalidades de investimento disponíveis no mercado, sem falar da perda do poder de compra da moeda, corroída pela inflação do período.

Então o que motiva a decisão de compra do consumidor?

Muitas vezes tive a oportunidade de perguntar aos detentores desse título por que compraram. Duas respostas se apresentam sistematicamente. A primeira revela que o consumidor não está interessado nem em jogo nem em investimento. "Não consigo guardar dinheiro. Então, sou obrigado a depositar para não perder o dinheiro que depositei."

Como não tem disciplina e força de vontade para mudar seus hábitos e comportamento, esse consumidor precisa ser obrigado a guardar dinheiro para evitar ser punido.

A segunda resposta, normalmente vinda de pessoas esclarecidas e que investem regularmente seu dinheiro em produtos de investimento tradicionais do mercado, é a seguinte: "Comprei para ajudar o gerente do banco, que precisava bater a meta do mês".

Não sei qual dos dois argumentos me deixa mais triste. Defendo que o incentivo de poupar venha pelo amor, pelo merecimento, e não pela dor da perda. O propósito para poupar deve ser encontrado em cada um de nós, para realizar os sonhos e os projetos de grande significado nas nossas vidas. Quanto ao profissional que solicita favores aos clientes, posso apenas lamentar.

Se você se identifica com o produto, saiba que os percentuais destinados ao sorteio e ao resgate variam de plano para plano. Determinados planos enfatizam o sorteio, enquanto outros visam a constituição de reserva maior, com premiações menores. Procure conhecer as modalidades antes de adquirir.

Se você quer receber rendimentos em reconhecimento pelo seu esforço de economizar, pense nas alternativas de investimento disponíveis no mercado. Afinal, o esforço de poupar é o mesmo e você merece essa recompensa!

Marcia Dessen - planejadora financeira pessoal, diretora do IBCPF (Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais Financeiros) e autora do livro "Finanças Pessoais: o que fazer com meu dinheiro". (Trevisan Editora, 2014). marcia.dessen@gmail.com
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