Nesta semana tem início a temporada daquele que é provavelmente
o esporte favorito do brasileiro: sentar no sofá para acompanhar o progresso de
um esquadrão de 11 componentes que defende a honra do seu país em face de
múltiplos ataques estrangeiros. São batalhas até que pouco sangrentas, e
visivelmente menos violentas do que as dos campos de futebol americano ou
hóquei, que levam a fama de perigosos para seus jogadores.
Mas, de acordo com dois estudos recentes, um canadense e um
americano, também o futebol faz estragos –e ao cérebro, sobretudo. O estudo
canadense mostrou que, dependendo de quem conta, a chance de concussão é ao
menos tão grande em jogos de futebol quanto no truculento futebol americano,
deixando jogadores com problemas de memória. Cotoveladas e cabeçadas entre
jogadores são grandes culpados, mas um outro inimigo foi apontado recentemente
por dois estudos independentes: cabecear a bola.
Lances lindos, como a cabeçada de Pelé defendida miraculosamente
pelo goleiro inglês Gordon Banks na Copa de 70, escondem uma física nada
bonita: a aceleração e desaceleração do cérebro dentro da cabeça enquanto
absorve o choque de uma bola viajando a 75 km/h, e então a arremessa a 45 km/h
em direção ao gol. Durante uma partida, jogadores expõem seus cérebros a uma
quantidade média de 6 a 12 impactos assim.
Treinos são ainda piores, com cerca de 30 cabeçadas por sessão.
O problema maior de cabecear a bola é que, na maior parte dos
casos, o dano não é imediatamente visível –mas está lá e vai se acumulando ao
longo do tempo. São pequenas lesões causadas pela quebra das fibras na
substância branca que interconectam as várias partes do cérebro e que se partem
quando estiradas muito rápido –por exemplo, quando o cérebro recebe, ou dá, uma
pancada na bola. O resultado é equivalente a uma rede de computadores que ainda
funcionam, mas que não mais trocam informações uns com os outros.
Ao longo do tempo, as pequenas interrupções nas fibras da
substância branca se tornam visíveis em imagens do cérebro –inclusive em
amadores: o estudo do Hospital Albert Einstein, nos EUA, mostrou que quanto
mais cabeceiam a bola, mais esses jogadores sofrem danos em seus cérebros– que
se correlacionam com pequenos, mas visíveis, problemas de memória.
Defender seu país, é claro, sempre tem seu preço. Nesta Copa,
serão as canelas, joelhos e cérebros dos nossos jogadores. Ao menos eles são
bem pagos...
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista,
professora da UFRJ e apresentadora do programa Cerebrando (cerebrando.net)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com