Os geoengenheiros estão chegando


Alquimia dos nossos tempos, geoengenharia poderia corrigir clima da Terra, mas suscita debate.

A Academia de Ciências dos EUA acaba de publicar dois amplos relatórios sobre o que existe de mais próximo da alquimia nos nossos tempos: a geoengenharia.

Trata-se da ideia de que com a tecnologia atual é possível fazer intervenções diretas sobre o clima da terra, corrigindo o que for preciso.

Por exemplo, para resolver o aquecimento global bastaria soltar uma nuvem de sulfato nas camadas superiores da atmosfera, bloqueando parte da incidência da luz solar. Ou despejar grandes quantidades de ferro nos oceanos para fertilizar algas que capturam carbono. Ou ainda cobrir vastas extensões de gelo oceânico com bolsas de silicone, reduzindo a velocidade do degelo.

Os dois relatórios fogem do nome "geoengenharia". Preferem falar em "intervenção climática" ("climate intervention"). Faz sentido. O termo engenharia denota uma boa dose de previsibilidade sobre seus resultados. As ações reunidas pelos relatórios são imprevisíveis. Quem poderia dizer com certeza os impactos de se despejar sulfato na atmosfera ou ferro nos oceanos?

Apesar disso, o debate veio para ficar. Os dois estudos lançados pelos EUA ajudarão a catapultar o tema, antes restrito a círculos científicos especializados, para a opinião pública em geral. Um sintoma disso é a presença de discussões sobre geoengenharia na COP 21 (21ª Conferência do Clima), que acontecerá no fim de novembro em Paris. A COP vem tentando construir a duras penas um acordo político para lidar com o aquecimento global, sem grande sucesso.

Dar um chapéu nesses obstáculos políticos é um dos grandes atrativos (e perigos) da geogenharia. Enquanto diplomatas do mundo todo se reúnem há anos sem encontrar uma solução efetiva, um único país poderia decidir tomar o problema em suas próprias mãos e agir, produzindo efeitos em escala global.

Nesse sentido, há dois caminhos para a intervenção climática: a captura de carbono e o gerenciamento de incidência da luz solar. A captura de carbono é menos arriscada, só que lenta e cara. Mexer na incidência da luz solar é caminho barato e rápido, capaz de produzir efeitos imediatos. Só que com riscos e resultados imprevisíveis. Uma nuvem de sulfato lançada sobre a Índia poderia gerar enchentes na África, ou seca generalizada no Brasil.

Por isso, a principal crítica que se deve fazer à geoengenharia não é em relação à tecnologia em si, mas, sim, ao fato de que ela ignora a questão política de fundo que está na raiz do aquecimento global. Em especial a dependência global dos combustíveis fósseis. Confiar na geoengenharia esperando que ela seja um remédio eficaz para a ressaca do abuso do carbono é colocar o problema para baixo do tapete. Além de caminho politicamente irresponsável.

Como diz a ambientalista Naomi Klein: "A solução para o aquecimento global não é consertar o mundo, mas, sim, consertar a nós mesmos".

Ronaldo Lemos - advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro ronaldo@itsrio.org

Fonte: jornal FSP
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