Concurso britânico premia melhores fotos de astronomia
do ano
Com colisores extremamente avançados
—praticamente "fundas" gigantescas arremessando partículas
umas contra as outras e colhendo seus estilhaços na esperança de determinar o
que havia lá dentro—, os físicos do microscópico tinham grande controle sobre a
própria pesquisa.
Trocavam partículas, aumentavam energias, giravam o
ângulo de colisão; formulavam, testavam e descartavam teorias, sempre guiados
pela abundância de experimentos disponíveis.
Assim seus laboratórios facilmente ofuscavam as estrelas
dos astrônomos; não se controla a rotação de um buraco negro, o ângulo de um
quasar ou o timing de uma supernova. Cerceados pela natureza aleatória de seu
objeto de estudo, os físicos do macroscópico renovavam suas teorias somente a
cada Newton e a cada Einstein. Davi era ágil, Golias, lerdo.
Desde 2015, porém, essa figura está mudando. A
comunidade da física de partículas vive um momento difícil. Necessitando de
energias crescentes para sondar as profundezas do mundo microscópico, apostou
grande parte de suas fichas numa enorme extensão do colisor de partículas do
Cern (Centro Europeu de Pesquisas Nucleares): o LHC (Large Hadron Collider), a
maior funda já construída pelo homem.
Pleiteando fundos necessários à realização do LHC, esses
físicos só não prometeram a alma porque não são dualistas (em sua maioria). Em
vez disso, alardearam possíveis descobertas, indo de
superpartículas (parceiras mais maciças das partículas elementares que
conhecemos) a áxions (possíveis constituintes de matéria escura).
O acelerador de partículas do Cern, na Suíça
Mas, infelizmente, o LHC está hoje no que muitos chamam
de “cenário pesadelo” —não descobriu nada além de uma partícula já prevista
havia 50 anos (o Higgs, responsável por "dar massa" às outras
partículas), e isso em 2012.
Com esse deserto de descobertas, sonhos de uma era
dourada iniciada pelas novas partículas ficam cada vez mais distantes. No
momento, físicos disputam ferozmente recursos para construir aceleradores ainda
maiores e melhores, na esperança de que as promessas do LHC vinguem na próxima
geração de equipamentos.
Do outro lado, físicos da gravitação inauguraram o
incrível Ligo (sigla para Laser Interferometer Gravitational Observatory), um
observatório diferente. Não tem lentes enormes nem aponta para o céu, mas,
usando lasers e espelhos, é capaz de determinar minúsculas variações no campo
gravitacional. Consegue detectar um deslocamento de seus espelhos na ordem de
um milésimo do comprimento de um átomo.
Essa sensibilidade nos permitiu ver o que também só era
sonhado: ondas da forçada gravidade, previstas por Einstein em 1919. Talvez essa observação
represente o maior avanço da ciência dos últimos cem anos.
Colisão de estrelas de nêutrons que foi observado por
ondas gravitacionais na Terra
A descoberta de ondas gravitacionais, ao final de 2015,
é mais do que uma confirmação da teoria da relatividade. Com ela abriram-se
novos céus para a astronomia. Há novas perguntas, novas respostas e novos
mistérios, não só para a gravitação, mas para toda a física. Mas o que mudou?
Até recentemente, para rastrear astros e mapear o céu,
astrônomos usavam ondas do campo eletromagnético. Ondas desse tipo são
provocadas por processos variados, por exemplo, em reações nucleares dentro de
uma estrela. Mas planetas, pó sideral e outros corpos celestes as absorvem,
obstruindo a sua propagação até nós.
Por causa disso, a astronomia registrava com dificuldade
eventos muito longínquos e velados. E são estes os eventos mais interessantes
para o aprimoramento de uma teoria; os centros de muitas galáxias, por exemplo,
contêm buracos negros supermassivos, onde nossas hipóteses são testadas em
condições extremas.
Mas estes mesmos eventos são também encobertos por
fornalhas turbulentas que ofuscam nossa sondagem por ondas eletromagnéticas.
Golias era míope.
As ondas gravitacionais, como o nome sugere, atuam em
outro campo de força: o gravitacional. Constituídas por distorções no próprio
tecido do espaço-tempo, estas ondas são produzidas em outros processos
—colisões de buracos negros e de estrelas— e passam praticamente incólumes
através de obstáculos ordinários.
Combinando os dados destes sinais gravitacionais com os
dos eletromagnéticos, recentemente demos luz à "astronomia por
multimensageiros". Ficou mais fácil enxergar o Universo por completo, e,
assim, fica mais fácil compreendê-lo por completo.
Com esses avanços, após quase 70 anos, parte dos
recursos da física de partículas está escoando para a gravitação. Até meados de
2030, a inauguração de cinco observatórios de ondas gravitacionais está
planejada, com o primeiro —o japonês Kagra— ainda para 2018.
Nas próximas décadas, a cosmologia promete
ser a protagonista das fronteiras da física. Prepare-se para ouvir menos sobre
Higgs e quarks, e mais sobre buracos negros e estrelas de nêutrons.
É como se a cosmologia até hoje só tocasse o Universo,
tateando suas feições para tentar formar uma imagem. Agora, ela ganhou um novo
sentido. Ela enxerga o que era antes invisível. Pois então, Davi, tome cuidado:
Golias encontrou os seus óculos.
Henrique Gomes - físico, é doutor em gravidade quântica e doutorando
em filosofia na Universidade Cambridge.
Fonte: artigo jornal FSP