5G vai chegar tarde demais ao Brasil
Papel
do país será mais uma vez o de consumidor, em vez de desenvolvedor
Na última sexta-feira (24) a Anatel aprovou as regras para o edital do 5G no Brasil e
marcou o leilão das frequências necessárias para o dia 4 de novembro.
Parabéns!
E que pena!
Parabéns porque essa é uma medida urgente para
permitir que o país tenha chance de ser competitivo na economia do
conhecimento.
Que pena porque o 5G chegará ao Brasil tarde demais.
Seu cronograma de implantação começa em 2022, mas
só terminará de chegar ao interior do país em 2028.
Detalhe: 2028 é o ano em que o mundo começará a
implementar a tecnologia do 6G, que substituirá a atual. Em outras
palavras, perdemos de novo o bonde da história.
O 5G começou em outros países em 2019. Quando o
Brasil chegar ao clube, em 2022, as principais aplicações para a tecnologia já
terão sido desenvolvidas.
Com isso, nosso papel será, mais uma vez, de
consumidores de inovações produzidas em outros lugares. Perdemos a oportunidade
de sermos desenvolvedores de aplicações feitas localmente, que poderiam ser
depois vendidas globalmente.
Perder oportunidades é especialidade da casa.
O
colega Elio Gaspari escreveu há pouco artigo contando como os
senadores da época do Império impediram em 1843 que o Brasil
construísse estradas de ferro.
O Barão de Monte Santo, por exemplo, dizia: “Ainda
não temos estradas, nem de barro, como queremos fazer uma de ferro? Para passar
por ela o quê? Quatro bestas carregadas de carvão!!”.
Quando os historiadores do futuro olharem para o
processo que levou ao atraso do 5G no Brasil vão ser capazes de encontrar
diversos Barões.
Por exemplo: o país demorou por conta de uma
preocupação de que o 5G pudesse interferir no sinal de TV das antenas parabólicas (o
Barão de Monte Santo ficaria orgulhoso desse argumento).
Outra razão para o atraso foi a insistência em
construir uma rede privativa do governo federal, separada da rede que será
usada por pessoas “normais”.
Dinheiro escasso jogado fora que poderia ser usado
para acelerar o cronograma de implementação da tecnologia.
A utilidade dessa rede privativa é praticamente
nenhuma. Seu uso será pequeno e vai ser a primeira a ficar obsoleta. O Tribunal
de Contas da União tentou barrar essa irracionalidade política, mas foi
vencido.
No século 19, os trilhos de ferro eram a infraestrutura
do futuro. No presente, a conectividade é essa infraestrutura.
Além dela há outras, como a capacidade de fabricar microchips —habilidade da qual o
país também está abrindo mão com a decisão recente de fechar a Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia
Avançada) em Porto Alegre (RS), única fábrica de semicondutores da América
Latina.
Estudos mostram que fábricas de semicondutores são,
de longe, a atividade econômica que mais gera impostos por metro quadrado no
planeta.
Um metro quadrado de uma fábrica de chips pode gerar até US$ 36 mil
(R$ 192 mil) de impostos por ano. A mesma área aplicada ao varejo geraria, por
exemplo, até US$ 6.000 (R$ 32 mil).
Para avançar, o país precisa vencer o derrotismo do
Barão de Monte Santo. Precisa olhar muito além das estradas de barro.
RONALDO LEMOS - Advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.