Eu, investidor qualificado?! Não sei não...


A carteira de investimentos da Marcia é ultraconservadora e acolhe os recursos amealhados durante anos de muito estudo e trabalho duro. Ela relata que, diante do novo cenário de juros baixos, foi orientada a resgatar R$ 25 mil de um conservador fundo DI, para aplicá-los em um fundo multimercado.

Entretanto, no momento de assinar a documentação, congelou quando leu os termos de uma declaração que pediram a ela para assinar. "Como posso afirmar uma proposição que, em juízo perfeito, nego? Eu sou absolutamente ignorante em assuntos do mercado. Se concordar com o documento, me sinto incorrendo em falsidade ideológica, além de ser desleal comigo mesma."

Mas afinal quem é investidor qualificado e o que significa? Segundo definição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão regulador do mercado de fundos de investimento, um investidor pessoa física é considerado qualificado quando possuir R$ 1 milhão ou mais em investimentos financeiros e que, adicionalmente, ateste por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio.

Esse "termo próprio", o mesmo que deixou as duas orelhas da minha xará em pé, é uma Declaração da Condição de Investidor Qualificado, que diz o seguinte:

"Ao assinar este termo, afirmo minha condição de investidor qualificado e declaro possuir conhecimento sobre o mercado financeiro suficiente para que não me seja aplicável um conjunto de proteções legais e regulamentares conferidas aos investidores que não sejam qualificados.

Como investidor qualificado, atesto ser capaz de entender e ponderar os riscos financeiros relacionados à aplicação de meus recursos em valores mobiliários que só podem ser adquiridos por investidores qualificados.

Declaro, sob as penas da lei, que possuo investimentos financeiros em valor superior a R$ 1.000.000,00 (1 milhão de reais)".

Declaração bastante incisiva, não é mesmo? Nela o investidor assume a responsabilidade; é como se dissesse "deixa comigo, eu sei me cuidar". De quais proteções legais e regulamentares abre mão o investidor qualificado? Quem quiser conhecer o texto na íntegra pesquise o artigo 125 da instrução 555 da CVM. Aqui faço uma leitura livre dos aspectos que considero mais relevantes.

Entrar em um fundo destinado a investidor qualificado é fácil, sair, nem tanto. Nos fundos de investidores comuns, a conversão das cotas é feita no mesmo dia (D0) ou no dia seguinte (D+1), e o pagamento do resgate, em até cinco dias úteis.

Os fundos de investidores qualificados podem estabelecer prazos diferentes. Um investidor pede resgate no dia D, o resgate é convertido com o valor da cota de D+60 dias, e o pagamento, em D+61 dias.

Esperar 60 dias expõe o investidor a dois riscos: o de liquidez e o de mercado. O cotista resgata as cotas por um valor que só conhecerá 60 dias depois.

A CVM se preocupa em estabelecer limites de concentração por modalidades de ativo financeiro, visando minimizar o risco de perdas dos investidores comuns. Os limites são computados em dobro no caso de fundos distribuídos exclusivamente a investidores qualificados.

Cobrança de taxa de performance é outro aspecto não controlado pela CVM quando se trata de fundos para investidores qualificados. Basta que as condições estejam claramente divulgadas no regulamento do fundo.

O administrador de fundo aberto destinado a investidores comuns (não qualificados) deve elaborar uma lâmina de informações essenciais conforme padrão definido pela CVM. A lâmina, documento enxuto e com linguagem clara, não é obrigatória quando se trata de fundos destinados a investidores qualificados, afinal ele sabe tudo, não é?

Depois de entender melhor o conceito de investidor qualificado, Marcia desistiu de investir no fundo multimercado de maior risco.

Além de colocá-la em uma posição que ela não admite, considerou que a expectativa de rentabilidade adicional, se ocorrer, não justifica o drama de consciência. Se você, diferentemente dela, aceita mais risco e menos regulação, vá em frente.

Marcia Dessen - planejadora financeira pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer com Meu Dinheiro'.

Fonte: coluna jornal FSP

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