Comer, amar e viver cem anos
- A
mesma conclusão está também em pesquisas do Centro de Longevidade de
Stanford: relacionamentos fortes e sociabilização são centrais para uma
vida saudável.
Conexões reais, um dos pilares para a longevidade, podem não ser
facilmente substituídas pelas virtuais.
Está na moda agora falar das
"blue zones". São as regiões do planeta onde as pessoas vivem mais do
que o esperado, ultrapassando cem anos.
Por exemplo, Icária, a ilha grega no
mar Egeu, a península de Nicoya na Costa Rica, as ilhas de Okinawa no Japão, ou
ainda, a comunidade adventista Loma Linda na Califórnia. Lugares completamente
diferentes, mas com a longevidade (e saúde) dos seus habitantes
em comum.
No streaming tem até documentário recente sobre o tema (que
não vi).
Vários estudos tentam fazer a
"engenharia reversa" dessas regiões, buscando o segredo da vida longa
e saudável. Por exemplo, hábitos alimentares.
Várias das regiões consomem 90%
ou mais de alimentos de origem vegetal, com destaque para feijão preto, batata
doce, lentilha e soja (consumida como tofu).
Praticamente não consomem leite e
derivados nem açúcar.
O consumo de carne (na maior
parte de porco) ocorre cerca de cinco vezes por mês em porções pequenas. Peixe
também é consumido em pequenas quantidades.
Várias blue zones, mas não todas,
consomem vinho, limitado a uma ou duas taças por dia.
Muita gente olha para esses
dados e chega à conclusão: basta adotar a dieta das blue zones para viver mais
de cem anos. Nada mais equivocado.
O ponto em comum entre todas essas regiões
não é a dieta. É a qualidade dos relacionamentos. Em todas as blue zones as
pessoas cultivam relações fortes e duradouras entre si.
Esse senso de
comunidade é o pilar de uma vida mais longa.
Essa constatação aparece não só
observando as blue zones, mas também no famoso estudo multigeracional de
Harvard sobre desenvolvimento adulto que acompanha grupos de pessoas e seus
filhos há 85 anos.
A mesma conclusão está também em pesquisas do Centro de
Longevidade de Stanford: relacionamentos fortes e sociabilização são centrais
para uma vida saudável.
A questão que permanece em
aberto é justamente o impacto da tecnologia sobre as relações pessoais.
Será
que o virtual produz efeitos similares às conexões reais? Por exemplo, em Loma
Linda os habitantes se unem fortemente por laços religiosos.
Em Okinawa as
pessoas praticam o "moai", hábito de cultivar um grupo de cinco
amigos, comprometidos pela vida toda.
Em um mundo cada vez mais
mediado pela tecnologia as pessoas não estariam se tornando individualizadas e
desconectadas umas das outras?
Seria a tecnologia a força capaz de dinamitar um
dos pilares da longevidade?
Mesmo que o número de conexões virtuais cresça, sua
qualidade decai.
Um estudo do instituto Gallup
determinou que os laços de amizade não são iguais.
Há pelo menos oito tipos de
amigos que são vitais ao longo da vida. O "construtor", que ajuda na
nossa formação. O "colaborador", com quem fazemos projetos juntos.
O
"conector", que nos apresenta a pessoas importantes, e assim por
diante. Dificilmente esses papéis podem ser desempenhados online.
Vale lembrar também da pesquisa
feita nos EUA em 2019, que apontou que 22% dos millenials têm zero amigos.
Em
gerações anteriores, o número dos sem-amigos girava em torno de 9%.
São pessoas
que vivem no oposto de uma blue zone. Estão mais próximos de uma zona sombria,
de mau presságio para todos nós.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de
Janeiro.