Você deve investir em Bitcoin? Como
comprar de maneira segura?
Depois da
febre entre os investidores causada pela bolha do Bitcoin no início do ano passado, o mercado de
moedas digitais, ou criptomoedas, voltou a atrair as pessoas físicas neste ano.
A recuperação dos preços, com o Bitcoin passando de cerca de US$ 3 mil no
começo do ano para US$ 10 mil, e o anúncio de que o Facebook lançaria sua
própria criptomoeda, a Libra, despertaram novamente o interesse dos
investidores, que segundo estimativas de profissionais desse mercado, já chegam
a 3 milhões no Brasil, mais que o dobro dos 1,334 milhão de cadastrados para
investir em ações na Bovespa.
Os criptoativos ganham importância econômica também. No primeiro
semestre, o mercado negociou R$ 5 bilhões, segundo estimativa da Associação
Brasileiras de Criptoeconomia (ABCripto).
O crescimento dos negócios, que
envolvem transações entre diversos países, fez o Fundo Monetário Internacional
(FMI) recomendar ao Banco Central (BC) que inclua os dados de criptoativos no
balanço de contas externas do país dentro da balança comercial.
Segundo a
ABCripto, o Brasil tem sido importador líquido de criptoativos, o que
contribuiu para reduzir o superávit comercial na conta de bens do balanço de
pagamentos.
- Problemas com corretoras de criptomoedas
Mas, em
meio a essa nova onda, surgiram problemas com empresas ligadas ao mercado.
Além
das pirâmides financeiras, que usam o ganho passado do Bitcoin para atrair
vítimas para golpes, uma grande negociadora de criptomoedas, o Grupo Bitcoin Banco, de
Santa Catarina, parou de pagar os investidores em suas chamadas exchanges, a
NegocieCoins e a TemBTC, que chegaram a estar entre as maiores do mundo.
O grupo alegou que foi
vítima de um golpe que roubou R$ 50 milhões de suas contas e seu dono chegou a
ter bens apreendidos para pagar os investidores.
Hoje, as
exchanges operam parcialmente, limitando os resgates a R$ 5 mil ou 0,25 Bitcoin
por mês.
Sem regulamentação oficial
Um dos
problemas desse tipo de investimento é que as corretoras de criptomoedas não
são regulamentadas no Brasil.
Como o Bitcoin é classificado como uma mercadoria, ou
commodity, e não como ativo financeiro ou ativo do mercado de capitais, nem o
Banco Central (BC) e nem a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) fiscalizam as
exchanges.
Só recentemente essas empresas receberam alguma fiscalização, por
parte da Receita Federal, que a
partir de agosto passou a exigir informações sobre as
operações com criptomoedas.
Para o investidor, portanto, há duas questões antes de investir em
Bitcoin ou em outra moeda virtual.
A primeira é se a aplicação faz sentido em
sua carteira de investimentos.
E a segunda é escolher onde comprar de forma
segura, afirma Felipe Borges, planejador financeiro CPF certificado da Planejar
e consultor de investimento pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
O
primeiro passo, diz, é o investidor avaliar se sua carteira comporta um ativo
de alto risco como o Bitcoin ou outra criptomoeda. “Não é para todo mundo, mais
pela desvalorização do ativo do que pelo risco de compra”, afirma, lembrando
que a moeda já passou de menos de US$ 1 mil para US$ 17 mil em um ano e depois
caiu para US$ 3 mil e voltou para US$ 10 mil no ano seguinte.
Se o
investidor definir que tem perfil para aguentar essa volatilidade, deve então
aprender como funciona o processo de compra e investir em empresas sérias. “Há
algumas que dizem que investem em criptomoedas, mas na verdade são pirâmides financeiras“,
alerta Borges.
Por isso, o investidor não deve acreditar em promessas de rentabilidade
alta e garantida e pesquisar a solidez da empresa. “Eu vejo pirâmides prometendo ganhos
de 5% ao mês em Bitcoins e faço um paralelo com Warren Buffett, considerado o
melhor investidor do mundo”, comenta Borges. “Ele conseguiu uma rentabilidade
média de 17% a 20% ao ano, então como alguém consegue garantir 5% ao mês?
Tem
alguma coisa errada e é preciso desconfiar, pois o que aparece na tela do site
pode não significar nada”, diz.
Outro ponto é verificar se a corretora permite transferir a criptomoeda
para a carteira própria do cliente ou não. “Se puder transferir para sua
carteira, é como uma ação, a moeda fica registrada na sua conta e, se a
corretora quebrar, não tem risco”, diz.
Já se o sistema for o chamado
“blackbox”, em que as moedas ficam na custódia da corretora, é preciso tomar
mais cuidado, pois se a empresa quebrar, o investidor perde tudo.
- Valor depende da confiança, como o dólar
Borges acha que, para quem tem perfil de risco, vale a pena fazer a
compra em uma instituição confiável. Mas alerta que ninguém sabe o futuro das
criptomoedas. “O risco pode ser de 100%”, diz.
Muita gente vê a criptomoeda erroneamente como algo que cria renda, que
vai dar uma valorização em alguns anos, mas isso não é verdade, alerta Borges.
“Ela se comporta como uma moeda, como o dólar, não tem taxa, não paga
dividendo, não gera rentabilidade”, explica.
Assim como o dólar ou o ouro, a
criptomoeda depende mais da confiança do mercado e da procura, compara Borges.
O consultor observa, porém, que, como a criptomoeda não tem um potencial
máximo de ganho, pode ser vantajoso colocar um percentual muito pequeno do
dinheiro nesse negócio. “Se der errado, o prejuízo não prejudicará pois a
parcela é pequena e será compensada pelas outras aplicações”, lembra.
Mas, se
der certo, haverá um ganho razoável pelo potencial grande de valorização.
- Indefinição de valor e pouca aceitação
Há dificuldades até para definir o Bitcoin como uma moeda, afirma Bruno
Di Giacomo, sócio da BlackBird Investimentos.
Como seu preço oscila demais, não
se sabe exatamente quanto vale um Bitcoin e, com isso, ela não serve como
reserva de valor, uma das características de uma moeda. E, como ela não é ainda
é pouco aceita para transações, não serve como meio de troca.
- Valor que se jogaria na roleta
Por isso, Di Giacomo diz que o investidor deve colocar na moeda “o mesmo
percentual que colocaria em uma roleta”. “É jogar com a sorte, pois os
fundamentos hoje do Bitcoin são muito frágeis”, avalia.
Há uma situação, porém,
em que o Bitcoin faria sentido: a crise econômica mundial está levando os
bancos centrais do mundo todo a adotarem políticas de juros baixos ou negativos
e a injetarem dinheiro na economia.
Se esse excesso de dinheiro em um ambiente
de juros baixos provocar uma bolha, o próximo “crash” da economia ocorreria
pelos Bancos Centrais, que perderiam credibilidade. “Nesse caso, uma moeda não
ligada aos BCs seria uma alternativa”, afirma.
- Associação recomenda cautela ao investidor
novato
A primeira orientação para o comprador é para que invista de acordo com
o seu apetite por risco, reforçando que os criptoativos são extremamente
voláteis e sujeitos a riscos específicos que os distinguem de outros
investimentos tradicionais, afirma Safiri Felix, diretor-executivo da
Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto).
A entidade possui hoje 30
associados, entre exchanges, empresas focadas na blockchain (tecnologia que
registra e contabiliza transações de ativos digitais) e escritórios de
advocacia especializados em direito digital e startups.
É preciso estar atento também aos procedimentos de segurança que devem
ser adotados para não colocar o investimento em risco.
“O investidor deve
estudar, ter prudência e investir uma parcela pequena do patrimônio”, explica.
“Assim, os criptoativos serão apenas mais uma ferramenta de diversificação
dentro do patrimônio total investido.”
- Regulamentação da Receita Federal
A regulação no Brasil acompanha o ritmo de crescimento de criptoativos
no país, explica Felix.
A primeira norma para o setor foi a Instrução Normativa
Nº 1888/2019, da Receita Federal, para evitar sonegação fiscal. Ela foi
anunciada em maio de 2019 e começou a valer dia 1º de agosto, sendo que as
primeiras prestações de contas devem ser feitas neste mês.
Com a instrução, a
Receita definiu que todas as exchanges que operam com criptoativos devem
reportar ao governo informações de todas as transações de seus clientes, como
nomes dos envolvidos, valores, datas e taxas.
A obrigatoriedade também vale para pessoas físicas que investem neste
mercado de forma independente, sem as corretoras, sempre que as transações
ultrapassarem R$ 30 mil por mês.
- Projetos querem regulamentar os criptoativos
Felix lembra que há pelo menos quatro projetos de lei em tramitação no
Congresso para definir a atuação das exchanges e a regulamentação sobre quais
órgãos do Estado devem zelar pelo conjunto de normas e pela fiscalização do
segmento.
“Mas as empresas que fazem parte desse ecossistema já seguem boas
práticas de custódia e de transparência com o detalhamento de transações nos
extratos”, afirma Felix.
- Os cuidados na hora de escolher uma exchange
Para saber se uma empresa de criptomoedas é segura, o investidor deve
verificar se ela segue sete passos:
1. Manter separadamente os fundos dos seus clientes (contas segregadas);
2. Fornecer aos usuários explicações detalhadas dos riscos de investimento;
3. Implementar mecanismos de Know Your Client (KYC, ou conheça seu
cliente), exigindo documentação do investidor e comprovação da capacidade
financeira para transacionar criptoativos;
4. Estabelecer sistemas adequados contra lavagem de dinheiro;
5. Ter um sistema de proteção de ativos, como a dispersão de chaves
privadas;
6. Aumentar a transparência ao divulgar os detalhes da transação para os
clientes (extratos detalhados);
7. Exigir documentação e comprovantes de renda de acordo com os valores
movimentados.
- Cuidado com rentabilidade garantida
Ele recomenda ainda que o investidor deve ficar atento sempre que uma
empresa de criptoativos prometer rentabilidade garantida.
“O mercado é volátil,
em 2019, desde o final de março o Bitcoin acumula valorização de cerca de 150%
em relação ao ano passado”, lembra.
Então, sim, há ótimas oportunidades de
fazer render o investimento, mas é imprudente oferecer rentabilidade garantida,
ressalta.
Para reforçar a credibilidade do setor, além de cumprirem a instrução da
Receita, a ABCripto recomenda que todas as empresas adotem as práticas
indicadas, ou seja, boas práticas de custódia e de transparência com o
detalhamento de transações nos extratos.
As empresas vêm aprimorando
constantemente seus sistemas de segurança e estabeleceram procedimentos contra
lavagem de dinheiro compatíveis com o sistema financeiro tradicional, afirma
Felix. “Todos esses mecanismos ajudam a evitar o mau uso das transações com
criptoativos”, afirma Felix.
A ABCripto tem participado ativamente dos debates em audiências públicas
sobre o setor, além de acompanhar de perto todos os projetos de lei que
tramitam em Brasília, afirma Felix.
A entidade participou de audiência pública
no Senado e participará de reuniões da comissão especial que analisa o Projeto
de Lei 2303/15, que dispõe sobre a inclusão de criptoativos e programas de
milhagens aéreas na definição de arranjos de pagamento sob a supervisão do
Banco Central.
- Equilíbrio entre segurança para o investidor e
espaço para inovação
Segundo Felix, a ABCripto defende que os projetos cheguem a um consenso
e, mais do que isso, a um equilíbrio em torno do mercado de criptoativos, que
está amadurecendo e representa uma verdadeira disrupção na maneira como as
pessoas lidam com o dinheiro.
“A regulamentação do setor precisa desincentivar
o mau uso dos criptoativos, definir a atuação das exchanges, instituir quais
órgãos do Estado devem zelar pelo conjunto de normas e fiscalização do
segmento, mas não podem ser um freio aos avanços tecnológicos desse
ecossistema”, afirma Felix.
Sobre o risco de hackers e ações fraudulentas, ele lembra que em
qualquer mercado esse risco sempre existe.
“Mas é preciso separar o joio do
trigo e enxergar todos os esforços que as empresas brasileiras têm dispendido
no sentido de reduzir esses riscos”, afirma, citando parcerias com empresas
como a HackerOne e Chainalysis, responsáveis por organizar uma lista de
endereços suspeitos.
- Mercado Bitcoin vê ano bom para criptomoedas
O mercado de moedas digitais tem sido bastante ativo neste ano, afirma
Fabricio Tota, diretor do Mercado Bitcoin, uma das principais exchanges do
mercado.
A empresa tem cerca de 50% do mercado de criptomoedas brasileiro, com
1,6 milhão de investidores. “Foi um ano bom para quem comprou a moeda no fim do
ano passado”, diz.
Qualquer notícia de regulamentação ou uso da tecnologia blockchain, que
dá sustentação ao Bitcoin, anima o mercado, explica Tota.
Foi o que aconteceu
com o anúncio do Facebook de que pretende lançar sua moeda digital, a Libra, e
com o Telegram, que arrecadou US$ 1,7 bi com sua criptomoeda, o Gram. “Cada
nova notícia positiva só reforça que a tecnologia funciona”, afirma.
“Mas o uso
ainda é limitado, apesar de ter algumas iniciativas ganhando atração, de
experiências do usuário receber e enviar recursos usando a tecnologia”, diz.
- Pimenta para a carteira dos clientes
Mas, independente da utilização no dia a dia, as criptomoedas podem ser
usadas como reserva de valor ou diversificação, afirma Tota.
E, como reserva de
valor, o Bitcoin tem a vantagem de ser totalmente descorrelacionado dos ativos
financeiros típicos.
“Pode ser uma aplicação em um ativo mais ligado ao
desenvolvimento da tecnologia, uma pimenta que pode trazer retorno ainda mais alto
em um cenário de juro baixo, que pode beneficiar o Bitcoin”, acredita.
Ele vê o controle da Receita como um reconhecimento da importância do
setor, que não pode ficar a margem do mercado.
“A Receita foi o primeiro passo
para ter uma formalização maior desse mercado, separar empresas mais
estruturadas das menos, que não dão importância a temas como proteção ao
investidor, conhecimento do cliente e combate à lavagem de dinheiro”, diz.
- O que olhar nas exchanges
Segundo Total, hoje cliente tem de pesquisar a reputação da exchange em
que está pensando em operar, ver seu histórico, há quando tempo está no
mercado. “Saber da parte institucional tem importância”, diz.
Além disso é
preciso ver se ela tem sistemas de compliance ou se é só um lugar que fica jogando
as ordens. “Tem de ser mais parecido com corretora de valores”, explica.
E a
transparência também tem de ser grande. “As exchanges colocam quem quer comprar
em contato com quem quer vender, e o cliente precisa saber onde está colocando
o dinheiro”, diz.
- Custódia depende do conhecimento do cliente
Criado em 2013, o Mercado Bitcoin faz a custodia das moedas digitais,
mas o cliente tem a opção de retirar os ativos para ficar com sua própria
custodia.
“Mas assim ele assume alguns riscos, e dizer que sabe fazer a
guarda”, alerta Tota. Segundo ele, fazer a própria custódia é recomendado para
quem tem mais experiência.
Para quem não tem, pode ser melhor deixar as moedas
custodiadas com alguma empresa especializada. “Assim o cliente fica só com o
risco do mercado, e não o de algum hacker roubar suas senhas e suas moedas”,
diz.
- 100 mil clientes por mês e 2 milhões de
clientes neste ano
O volume de interessados está crescendo este ano, afirma Tota. O Mercado
Bitcoin tem captado cerca de 100 mil novos clientes por mês.
A expectativa é
chegar a 2 milhões de clientes neste ano, também com o lançamento de outros
tipos de investimento, como tokens que representam parcelas de precatórios
devidos pelo governo de São Paulo usando a tecnologia Blockchain.
A empresa
também investe em estruturas mais seguras de controles, como manter uma conta
separada para o dinheiro dos investidores. “O dinheiro dos clientes não se
mistura com o da corretora e não operamos carteira própria”, explica.
- Começar com 5% da carteira
Ele recomenda, porém, cautela para quem vai começar a investir em
criptomoedas. “Pode começar com 5% do patrimônio, que é equivlente a um ano de
CDI e, se perder, recupera com o rendimento do resto da carteira”, diz.
Ele
lembra que os clientes que começaram o ano com 3% a 4% do patrimônio hoje tem
cerca de 10% por conta do preço do bitcoin ter se multiplicado por três.
Hoje, o Mercado Bitcoin tem mais de 80 funcionários, muitos
ex-executivos do mercado financeiro e da Cetip e B3, que usam a experiência
para lidar com ativos de terceiros nas criptomoedas.
- Regulação deve vir da CVM e do BC, acredita
advogada
Tatiana Mello Guazzelli, advogada associada do Pinheiro Neto Advogados,
autora de um estudo sobre regulação da emissão e negociação de criptoativos, em
parceria com outros dois colegas, vê uma tendência de o setor ter alguma
regulação do Banco Central e da CVM.
Da parte do BC, a regulação teria sentido
uma vez que as exchanges movimentam recursos em reais dos clientes nas
operações de compra e venda de moeda, além das movimentações de criptoativos.
Já no caso da CVM, o acompanhamento se daria pelas ofertas iniciais de
criptoativos ou seu uso em instrumentos do mercado de capitais, que poderiam
recorrer à tecnologia do blockchain, base dos Bitcoins.
Essas exchanges assumem as funções de ambiente de negociação, de
custódia e também recebem recursos dos clientes.
São também a porta de entrada
dos investidores que querem comprar ativos. Por isso, poderiam ser vistas como
responsáveis pelo controle das operações, o que a Receita fez ao exigir delas
informações sobre as operações de seus clientes.
A falta de regulamentação acaba sendo também um entrave para o
desenvolvimento do mercado, vê a advogada.
Há preocupações com riscos de
fraude, ataques cibernéticos, lavagem de dinheiro, evasão fiscal e manipulação
de mercado, além de falta de informações aos clientes e regras de divulgação de
dados, fatores que poderiam ser definidos na regulamentação.
Fonte: site Portal do Pavini