Dormir pouco ou dormir muito? Ambos fazem mal para
memória, fluência verbal e cognição
Alterações no
sono, como mudanças na duração e qualidade, podem prejudicar o desempenho
cognitivo
Como já diziam nossas avós, nada como uma boa noite
de sono…
Mas o que é dormir bem? E qual o impacto do sono no
processo de envelhecimento? Em nossas pesquisas,
investigamos a associação entre distúrbios do sono e desempenho cognitivo de
adultos e idosos.
E os resultados sugerem que tanto dormir pouco quanto dormir
muito são prejudiciais para funções cognitivas como memória, fluência
verbal, funcionamento executivo, além da cognição global.
Sono prejudicado
O ritmo acelerado e globalizado da sociedade atual
pode implicar em mudanças comportamentais e sociais que acabam afetando o sono.
A busca desenfreada por tempo acelera o ritmo de vida implicando em mudanças em
várias dimensões do cotidiano, inclusive na disponibilidade para dormir.
Essa aceleração social pode ser impulsionada por
diversos fatores, como avanços tecnológicos, globalização, mudanças culturais e
subjetivas.
E isso implica na constante busca por fazer cada vez mais
atividades em menos tempo, sugerindo um traço constitutivo da modernização.
Com
isso, as pessoas adotam estilos de vida mais agitados, com atividades laborais
mais prolongadas, além de conectividade permanente.
Essas características da atual vida social podem
gerar dificuldades para se desligar ou relaxar, que afetam negativamente o
sono.
Em decorrência, queixas relacionadas às alterações do sono, como duração
e insônia, têm sido cada vez mais comuns na população adulta.
No Brasil, 76% dos indivíduos acima de 16 anos tem
pelo menos uma queixa do sono, ou seja, aproximadamente 108 milhões de pessoas.
Pesquisa de base populacional recente demonstrou alta prevalência de insônia
(45,9% a 58,6%) entre brasileiros com 50 anos ou mais. Outro estudo aponta
tendência de sono curto (6h ou menos) entre aqueles com idade entre 40 e 59
anos e, sono longo (9h ou mais) naqueles com 60 anos ou mais.
E isso pode ser um problema, já que o sono pode
beneficiar habilidades cognitivas importantes como a memória, atuando em sua
consolidação, além da saúde mental.
Mas alterações no sono, como
mudanças na duração e qualidade, podem prejudicar o desempenho cognitivo em
habilidades como a função executiva, fluência verbal, memória, bem como
associar-se ao declínio cognitivo.
Por desempenho cognitivo, entendem-se diferentes
domínios ou habilidades cognitivas, como a memória, linguagem, atenção,
concentração, etc.
Essas habilidades funcionam de maneira hierárquica e
dependente entre si.
Nessa lógica, o desempenho cognitivo permite ao indivíduo
gerenciar suas experiências, adaptar-se ao meio e solucionar problemas mediante
as diferentes demandas do cotidiano.
Sono e envelhecimento
Com o aumento da expectativa de vida, o
envelhecimento tem se tornado tema central no cotidiano de todo o mundo.
Com
isso, as preocupações ao redor das doenças neurodegenerativas estão cada vez
mais frequentes nos debates de saúde pública e na população em geral. Isso
porque essas doenças estão relacionadas ao aumento da incapacidade e
dependência, além de mortalidade.
Com acelerado processo de envelhecimento populacional, em 2017 o Brasil
contava com 30,2 milhões de idosos com 60 anos ou mais.
Em 2022 esse número
saltou para 32,1 milhões, o equivalente a 15,6% de sua população total. Assim,
o envelhecimento populacional é uma preocupação constante, especialmente, por
estar relacionado com o aumento das doenças crônicas em geral, com destaque
para o declínio cognitivo, a demência e a incapacidade física.
Nesse contexto, destacam-se os estudos que se
interessam por fatores associados e potencialmente modificáveis como os
socioeconômicos, comportamentais e de saúde. Entre esses fatores está o sono,
que tem sido relacionado com o desempenho cognitivo.
Tanto o sono quanto o desempenho cognitivo podem
sofrer prejuízos com o processo de envelhecimento, caracterizados pela
diminuição da duração e eficiência do sono, bem como a diminuição do desempenho
cognitivo que faz parte do envelhecimento normal.
Nesse sentido, pergunta-se se
os possíveis efeitos prejudiciais do sono sobre o desempenho cognitivo podem
variar entre adultos e idosos.
Nosso
estudo
O objetivo da nossa pesquisa foi investigar a
associação isolada e combinada entre distúrbios do sono (duração do sono,
sintomas de insônia nas últimas 30 noites e cansaço diurno) e desempenho
cognitivo de adultos e idosos em testes cognitivos.
Para isso, foi realizada análise transversal dos
dados da visita 2 (2012–2014) do ELSA-Brasil (Estudo Longitudinal de Saúde do
Adulto), isto significa que os dados incluídos foram avaliados naquele único e
determinado momento.
O ELSA-Brasil é uma coorte de servidores públicos ativos e
aposentados de seis capitais brasileiras: Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Vitória, que contou, no início do estudo, em
2008, com 15.105 participantes voluntários.
Foram incluídos um total de 7.248 participantes,
entre 55 e 79 anos, com média etária de 62,7 anos, sendo 55,2% mulheres.
Associações em forma de U invertido foram observadas entre duração do sono e
desempenho em todas as habilidades cognitivas, ou seja, durações menores ou
maiores que sete horas estão associadas ao pior desempenho, independentemente
da idade.
Além disso, o relato de insônia foi associado à
pior função executiva, sendo a força das associações maiores para indivíduos
com insônia em dois ou mais momentos ou, especialmente, insônia combinada com
sono curto.
Insônia em dois ou mais momentos também foi associada à menor
memória e cognição global.
Esses resultados –que sugerem que durações maiores
ou menores que cerca de sete horas do sono foram prejudiciais para todas as
funções cognitivas investigadas– foram semelhantes tanto para adultos de
meia-idade quanto para idosos, embora as pontuações dos resultados tenham sido
menores para idosos em comparação aos adultos.
Além disso, a insônia pareceu
afetar mais fortemente a função executiva, mas também prejudicou a memória e a
cognição global.
Estudos como o nosso, que visam investigar fatores
potencialmente modificáveis para o declínio cognitivo (como é o caso do sono),
podem gerar evidências e contribuir para subsidiar intervenções em saúde que
objetivem protelar o início do declínio cognitivo e promover o envelhecimento
saudável.
TAMIRIS REZENDE
- doutora em Saúde Pública,
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)