No balaio da depressão pós-parto


Síndromes e rótulos caem no gosto da mídia e do povo, mas nem sempre explicam o que há com o paciente

A mídia adora os rótulos de doenças que dão visibilidade aos males da humanidade e o cidadão acredita em cada nova síndrome que surge e que, agora sim, vai explicar o que se passa com ele.

Síndromes são um bom exemplo da busca por nomear coisas que não sabemos de fato por que ocorrem e que juntamos em grupos de sintomas aleatórios para depois buscar os tratamentos adequados a preços módicos. 

Mesmo os diagnósticos mais consagrados podem sofrer distorções para se tornarem mais palatáveis ao público, o que explicaria o fato de que hoje as crianças são grandes candidatas ao transtorno do espectro autista (TEA) e simplesmente não são mais diagnosticadas como psicóticas.

Em algum lugar da moral psiquiátrica e do senso comum, supõe-se maior dignidade no primeiro diagnóstico do que no segundo?

Um diagnóstico que também caiu nas graças da mídia e de alguns profissionais —muitos dos quais não têm formação em psicologia, psiquiatria ou psicanálise— é o da depressão pós-parto. Espécie de “balaio de gatos” dentro do qual qualquer sofrimento que surja depois do nascimento de um filho é colocado, a DPP, como se costuma chamar, consegue ser dos quadros mais mal diagnosticados.

Silhueta de mulher grávida -

Subdiagnosticado quando ocorre, e superdiagnosticado, quando não —um verdadeiro feito. O critério parece ser: aconteceu depois do nascimento de um filho? É DPP! 

Se não bastasse, ainda faz supor, com o uso do adjetivo “pós-parto”, que se trataria de outra categoria de depressão. 

Somatizações graves, psicoses, fobias e outras formas de sofrimento desaparecem diante das três letrinhas mágicas e suas medicações subsequentes —o uso indiscriminado, alarmante e sabidamente nocivo de Equilid, é um exemplo.

Pensemos juntos. O que se passa depois que um bebê vem ao mundo? Basicamente os arranjos que você lutou tanto para organizar na sua vida serão remanejados num longo processo de perdas e ganhos.

A palavra mais adequada para lidar com essas perdas é luto. Luto não é depressão, o que, embora pareça óbvio, nunca é demais lembrar. Ficamos tristes e não há nada de errado com isso, a não ser que tenhamos como meta levar a vida de um autômato.

E quem disse que isso só acontece com as mulheres que pariram? 

O pais de bebês também se deprimem em alarmantes 10% dos casos. Mulheres que adotaram, ou seja, não passaram por processos hormonais ligados à gestação e ao parto, fazem seus lutos (o famoso “baby blues”) e, por vezes, se deprimem. Os hormônios facilitam o humor mais depressivo, mas não justificam uma depressão maior.

Assim como no caso de diagnosticar psicose como sendo autismo, pois o autismo tornou-se socialmente palatável, alguns podem imaginar que o diagnóstico de DPP caia melhor do que o simples e perturbador fato de que sofremos depois de termos um bebê lindo e saudável. Que tipo de mulher ingrata ficaria inconsolável depois de ganhar um presente como este? 

Medicações podem ser muito bem-vindas em casos graves de depressão em homens e mulheres, mas não nos iludamos. Sem dar a devida dignidade a essa história, usando a medicação para calar a boca do paciente, só protelamos o inevitável.

No balaio de qualquer distúrbio psíquico tem um sujeito esperando para ser considerado. 

De lutos, nós brasileiros deveríamos entender mais.

Vera Iaconelli - psicanalista, fala sobre relações entre pais e filhos, mudanças de costumes e novas famílias do século 21.

Fonte: coluna jornal FSP


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