"Com tantas regras a cumprir, as crianças permanecem
infantilizadas"
|
Com tantas regras a cumprir, as crianças permanecem
infantilizadas –não crescem, inclusive, moralmente
O estabelecimento de regras e de rotinas na vida das crianças é
considerado questão fundamental pelos pais. Afinal, as regras colocam os
limites –vamos lembrar que criança precisa de limites!–, e as rotinas
transmitem segurança para que as crianças transitem melhor por seu tempo, se
organizem e se adaptem com mais facilidade para o que está por vir.
Quase todos os pais que se ocupam com a educação dos filhos já
ouviram essas afirmativas, não é verdade? Que tal olharmos para essas questões
de um outro ponto de vista?
Para ajudar, primeiramente convido você a pensar nas rotinas de
seu dia: elas não são massacrantes, como as pessoas costumam dizer? Quem é que
não gostaria de ter menos rotinas a cumprir?
Pois é: se para um adulto as rotinas entediam, imagine para uma
criança, que está descobrindo o mundo, experimentando um pouco de tudo o que
consegue, explorando situações e relacionamentos, e que tem tudo para aprender.
E como ela aprende com essas vivências!
Agora, pense na vida de uma criança que tem o dia todo apertado
entre rotinas: o que lhe resta senão cumpri-las –ou não? Vamos lembrar que a
rotina é monótona e leva rapidamente a respostas que se tornam mecânicas. Como
aprender algo dessa maneira?
Mas sem rotinas o dia-a-dia da criança não ficará desorganizado?
Essa é a questão que muitos pais apresentam. Podemos criar outro mecanismo para
que a vida da criança não se torne chata e, ao mesmo tempo, fique organizada.
Podemos criar alguns –poucos– rituais, principalmente para facilitar as
passagens mais difíceis para algumas crianças. Sair de casa para ir para a
escola e se recolher para ir dormir são alguns exemplos.
Diferentemente da rotina, o ritual é um processo, um conjunto de
procedimentos que não precisam ser repetidos da mesma maneira e que permite,
portanto, algumas mudanças –o que torna mais difícil a monotonia e abre espaço
à criatividade.
Agora, vamos às regras. Como o bordão de que a criança precisa
de limites pegou, muitos pais encheram a vida das crianças de regras,
multiplicaram-nas ao extremo. Alguns programas de tevê, inclusive, incentivaram
a ideia de destacar as regras para a criança e marcar as que ela cumpriu com
estrelas, por exemplo. Só esquecemos de um detalhe: onde há regras, há
transgressão! Com tantas regras a cumprir, as crianças permanecem
infantilizadas –não crescem, inclusive moralmente– e pouco aprendem por causa
do excesso de controle que as regras promovem.
Em vez de regras, os pais podem criar princípios para os filhos.
Vejamos um exemplo: em vez de regras como "não pode bater no irmão",
"não pode pegar coisas dele sem pedir", "ajudá-lo sempre que ele
pedir", que tal criar o princípio do respeito entre os irmãos? Dessa maneira,
ajudamos a criança para que ela, aos poucos, apreenda o conceito do respeito e
se afaste do autocentrismo para enxergar o outro.
Educar, ou seja, formar os filhos para que se tornem pessoas de
bem, livres para fazer escolhas, e introduzi-los na vida civilizada, é mais do
que estabelecer condicionamentos e controlar. É, principalmente, criar
processos que promovam a passagem progressiva para a autonomia e ensinar
valores virtuosos, que, aliás, estão fazendo muita falta no mundo atual, não é
verdade?
Rosely Sayão - psicóloga e consultora em educação, fala
sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de
educar.
Fonte: coluna jornal FSP