Presidente do Centro
Internacional de Longevidade no Brasil, o médico Alexandre Kalache é
considerado o mais importante especialista em envelhecimento no país e um dos
principais no mundo.
Por mais
de 20 anos, lecionou nas universidades de Oxford e Londres.
Na
década de 1990, presidiu o Programa Global para o Envelhecimento da Organização
Mundial da Saúde, em Geneva.
Alexandre
Kalache falou a EXAME.com sobre o consumo na terceira idade e os desafios de
envelhecer no Brasil.
- De
que modo a atual geração de consumidores com mais de 50 anos é diferente da
anterior, em termos de comportamento?
Alexandre Kalache — É fundamental entender a importância
dos baby boomers — a geração nascida no pós-guerra.
É uma
geração que viveu os anos 1960 e 1970, que está acostumada a reivindicar e ser
ouvida. Esse comportamento exigente não será extinto porque essas pessoas estão
envelhecendo.
O
próprio conceito de velhice está mudando. Tenho uma palavra para definir isso:
daqui a 20 anos, vamos ouvir falar em “gerontolescência”, que será essa fase
entre o fim da meia idade e a velhice.
Esse conceito está sendo
definido agora, do mesmo modo como houve um momento histórico em que a
adolescência foi definida como a transição entre a infância e a vida adulta.
- E o
que caracteriza um gerontolescente?
Alexandre Kalache
— São as pessoas mais velhas que não estão mais dispostas
a aceitar o estereótipo do vovô velhinho. É uma população que vive mais e
melhor, com orgulho da idade e que quer ser produtiva. E isso vai reverberar no
consumo.
- Qual
será o impacto no mercado de consumo?
Alexandre Kalache
— Os baby boomers têm um enorme patrimônio acumulado, o
que criou uma série de produtos só para eles.
Nos
Estados Unidos e na Europa, o mercado de carros de luxo é dominado pelos
consumidores com mais de 50 anos.
E eles
podem gastar em itens considerados supérfluos pelas outras gerações. Esses
consumidores também movimentam a indústria do turismo, porque têm dinheiro e
tempo livre.
- Como
o Brasil se compara aos países ricos?
Alexandre Kalache
— O Brasil é um caso muito relevante, porque tivemos um
envelhecimento da população dos mais rápidos na história mundial.
Hoje, a
proporção de idosos não é tão grande — são 24 milhões de pessoas com mais de 60
anos, 12% da população. Em 2030, serão 30%.
Será então
a mesma proporção que o Canadá terá. Hoje, só o Japão tem 30% da população
nessa faixa etária.
A
diferença é que o Canadá não precisa mais se preocupar em construir estradas,
garantir o ensino universal ou o acesso à saúde.
Nós
teremos de nos preocupar com isso tudo, ao mesmo tempo que pensamos em como
cuidar dos nossos velhos. O Brasil envelheceu antes de enriquecer.
- Por que o envelhecimento da população
no Brasil foi tão atípico?
Alexandre Kalache
— Há duas razões: o aumento na expectativa de vida e a
queda da taxa de fecundidade — ou seja, o número de filhos por mulher.
No início do século 20, a
expectativa de vida era de 43 anos. Hoje, é de 76. Enquanto isso, as mulheres
decidiram ter menos filhos.
Em
1975, a taxa de fecundidade era de 5,8. Hoje é de 1,7 — abaixo da taxa de
reposição.
Ou
seja, o número de jovens está diminuindo em relação à proporção de idosos.
O caso
do Brasil é único porque, enquanto na China a queda da natalidade foi uma
política de Estado, aqui foram as mulheres brasileiras que decidiram ter menos
filhos.
- Qual
o padrão de consumo do idoso no Brasil?
Alexandre Kalache
— Com as nossas desigualdades, temos os dois extremos:
como nos Estados Unidos e na Europa, também temos o consumidor mais velho que
acumulou patrimônio, que quer gastar em marcas de luxo e viagens
internacionais.
Você
vai ao teatro e verá que a plateia está repleta de cabeças grisalhas. Mas é um
mercado incipiente porque é uma fatia pequena.
A maioria
vive com a aposentadoria do INSS — 10 milhões de pessoas com mais de 60 anos
vivem com 850 reais por mês, em média.
Para
eles, o consumo é basicamente a comida para a família, o remédio para o filho,
a máquina de costura para a filha, a educação do neto.
Mas,
apesar de o valor ser pequeno, o papel econômico desse dinheiro é enorme. Cerca
de 2 000 municípios no Brasil vivem dessa renda — o único valor garantido todo
mês, porque a economia local é constituída basicamente de bicos.
- Isso
pode fazer com que o idoso seja explorado pelo resto da família?
Alexandre Kalache
— Sem dúvida. No Brasil, estamos vendo o surgimento da
“geração nem-nem”, que é constituída por jovens que nem trabalham nem estudam.
É o avô
ou a avó quem paga a balada, o cigarro e a bebida. Estamos vendo casos de
financeiras que telefonam para idosos oferecendo crédito.
Isso é
uma forma de exploração de pessoas muito pobres, porque o banco sabe quanto o
aposentado recebe e oferece um crédito que consome toda a renda do idoso.
Lucas de Abreu Maia – jornalista da revista exame
Fonte: http://exame.abril.com.br/