Para
avaliar se a economia vai bem ou mal, se está em franca expansão ou apenas em
convalescença, é bom olhar um pouco mais longe que o ano anterior. Aritmética
simples pode ajudar, mas boa parte da imprensa parece abominar esse recurso e
depende de fontes até para a tabuada do cinco.
Com
um pouco mais de trabalho – bem pouco, de fato – os jornais teriam oferecido um
material bem mais interessante e realista sobre o Produto Interno Bruto (PIB)
do terceiro trimestre, 0,5% menor que o do segundo, e sobre os dados, um pouco
mais atualizados, da produção industrial até outubro.
No
ano passado o PIB cresceu apenas 1%, a produção da indústria geral diminuiu
0,8% e o investimento em máquinas, equipamentos, instalações, infraestrutura e
outras construções encolheu 4%. Diante desses números, a pergunta deveria ser:
como estamos em relação a 2011? Ou: como foi a evolução em dois anos? Estamos
longe do buraco?
Decisões
comprometidas
A
revisão do crescimento de 2012 de 0,9% para 1% foi registrada com interesse,
porque a presidente Dilma Rousseff, na semana anterior, havia mencionado uma
taxa de 1,5% em entrevista ao jornal espanhol El País. O número
divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi menor
que o antecipado pela presidente e esse detalhe foi notado. Mas faltou levar em
conta os outros números, de fato mantidos na revisão e especialmente
importantes, nesta altura, para a avaliação do estado da economia.
Segundo
muitos analistas nacionais e estrangeiros, o Brasil perdeu capacidade de
crescimento nos últimos anos. Algumas estimativas apontam um potencial de
expansão igual ou inferior a 3% ao ano. Outras indicam números maiores, mas
ainda modestos. Esse é um cálculo complicado e inseguro, mas o conceito é
relevante, porque se refere à possibilidade de crescer sem gerar desajustes
perigosos, como inflação elevada e crise cambial. O aumento do PIB depende, no
médio e no longo prazos, dos ganhos de eficiência da economia e, portanto, do
nível de investimentos.
De
acordo com os dados oficiais, o país tem investido bem mais que no ano
anterior. O total aplicado em máquinas, equipamentos, infraestrutura e outros
componentes do sistema produtivo foi, no terceiro trimestre, 7,3% maior que em
igual período de 2012. Em quatro trimestres, a expansão acumulada chegou a
3,7%. Grande evolução? Por enquanto, nem tanto. Se essa taxa se mantiver até o
fim do ano, o valor investido terá sido insuficiente para anular a perda de
2012 e o Brasil terá investido menos que em 2011.
O
mesmo tipo de análise permitiria uma visão mais clara da situação da indústria,
por muito tempo a principal fonte de empregos decentes e de incorporação de
tecnologias modernas. Em outubro, segundo o IBGE, a produção da indústria geral
foi 0,6% maior que em setembro e 0,9% superior à do mês correspondente de 2012.
O crescimento chegou a 1,6% no ano e a 1% em 12 meses. Nenhum desses números
indica um desempenho brilhante. Mas será, pelo menos, uma firme recuperação? Um
exame mais cuidadoso impõe uma avaliação mais cautelosa.
Pode-se
encontrar uma resposta razoável na tabela de médias trimestrais móveis. O
índice médio do período agosto-outubro deste ano foi 2,99% superior ao de igual
período de 2012, mas 0,1% menor que o dos mesmos três meses de 2011. Nesse
quadro, portanto, nenhum crescimento efetivo em dois anos. Um resultado melhor
aparece quando se comparam as médias trimestrais do setor de bens de capital,
fabricante de máquinas e equipamentos. O confronto dos números de
agosto-outubro de 2013 com os dados correspondentes de 2012 apontam uma
variação espetacular – 17,6%. O setor de meios de produção parece crescer em
ritmo chinês. A variação entre os períodos equivalentes de 2011 e 2013 é muito
menor – 6,03% – por causa do grande recuo em 2012.
O Estado
de S.Paulo apresentou o resultado do trimestre como o pior em quatro anos.
O material mencionou, além disso, o corte das previsões para 2014. O tratamento
do assunto no Globo foi parecido. A Folha de S.Paulo deu ênfase à
queda do investimento no trimestre e explorou os obstáculos ao planejamento e
às decisões de investir. Um pouco mais de atenção a 2011 e aos maus resultados
de 2012 teria deixado mais clara a dimensão dos problemas.
Política
fiscal
Mas
os jornais também mostraram, na mesma semana, uma respeitável capacidade de
jogar no ataque e de comandar a partida. O principal perdedor foi o secretário
do Tesouro, Arno Augustin. Na terça-feira (3/12), o Valor noticiou uma
operação para facilitar o alcance da nova meta fiscal fixada para o ano. A
Caixa emprestaria R$ 2,6 bilhões a juros baixos para subsidiárias da Eletrobrás
liquidarem compromissos com um fundo setorial. Isso aliviaria a caixa do
governo e tornaria mais fácil produzir R$ 73 bilhões de superávit primário, o
dinheiro usado para o pagamento de uma parte dos juros da dívida pública. O
superávit dependerá principalmente de receitas extraordinárias, como o bônus do
leilão do campo de Libra, no pré-sal, e o dinheiro pago pelas empresas
beneficiadas pelo refinanciamento de dívidas fiscais (Refis). Só esses dois
itens devem proporcionar uns R$ 35 bilhões, possivelmente um pouco mais.
Toda
a imprensa foi atrás da manobra e o ministro da Fazenda cancelou a transação. O
secretário do Tesouro negou o objetivo de atenuar as dificuldades fiscais, mas
a operação foi abandonada, pelo menos neste ano. Não se eliminou a
possibilidade de retomá-la em 2014. Em 2013, as contas do governo já foram
sobrecarregadas pelas contribuições à Conta de Desenvolvimento Energético,
principalmente por causa dos subsídios necessários para compensar a redução das
contas de eletricidade.
Na
quinta-feira (5/12), o Estadão e a Folha de S.Paulo noticiaram
uma crise na Secretaria do Tesouro. Funcionários pressionaram o secretário por
causa das manobras especiais para fechar o balanço do governo central. Essas
manobras têm prejudicado a credibilidade do governo e o risco de corte da nota
de crédito do país, no próximo ano, já é discutida abertamente. O pessoal
encarregado de rolar os títulos do Tesouro tem tido maior dificuldade para
trabalhar. Em outras áreas da Fazenda usou-se a palavra “motim” para descrever
a movimentação no Tesouro. A presidente Dilma cobrou explicações ao ministro da
Fazenda, superior imediato de Arno Augustin, e uma operação foi montada para
desmentir a crise – e também noticiada, naturalmente. Na cobertura da política
fiscal e das medidas para facilitar o fechamento das contas a imprensa tem ido
bem, antecipando, em vários momentos, os lances do governo e as informações
oficiais.
Rolf Kuntz - jornalista
Fonte: site Observatório da Imprensa