Para
o cérebro, real é o vivenciado pela ativação dos córtices em eventos
O céu era azul-escuro enfeitado com feixes neon e flocos
dançantes de... neve? Bichinhos? Explorar meu novo ambiente era fácil: bastava
mover a cabeça (e os olhos, claro). Olhando para o chão, uma linha clara
demarcava a plataforma onde eu estava de pé, grande o suficiente para eu me
mover sem preocupação. Levantando os braços, vi que minhas mãos seguravam
espadas de luz, uma azul e outra vermelha.
Ao som de música dançante, caixas também azuis e
vermelhas começaram a avançar na minha direção. Não fazer nada obviamente
deixava o universo irritado; com movimentos lentos a esmo, depois um pouco de
tentativa e erro, logo descobri que “cortar” as caixas com a espada da mesma
cor, e numa certa direção de acordo com marquinhas um tanto óbvias depois que
se registrava sua existência, agradava ao universo, que respondia com sons
macios encorajadores.
Pronto, eu estava brincando de Beat Saber na sala dos
meus amigos. Quer dizer: eles me viam lá, e viam o que eu estava fazendo. Eu,
apesar de ouvir suas vozes, estava em outro lugar, chamado virtual mas extremamente real: dentro
da minha cabeça.
O Beat Saber é um jogo que une música, sabres de luz e
realidade virtual.O game roda no Playstation 4 e em notebooks Microsoft
que tenham os requisitos mínimos.Para jogar, o usuário precisa de um óculos de realidade
virtual compatível com as plataformas -
Esta é a ironia da tal realidade virtual. Embora o nome
sugira a experiência de algo que não existe, a experiência é possível
justamente porque para o cérebro, real é o que ele vivencia pela ativação dos
córtices que representam eventos no mundo e no corpo, seja ela direta (com
eletrodos), interna (em sonhos, divagações ou alucinações), ou externa (pelos
sentidos).
Vindo pelos sentidos, a experiência do presente
transmitida por luz que reflete do mundo é exatamente tão real quanto aquela
formada a partir de padrões de luz emitidos por uma tela ao redor dos olhos.
O que torna a tal realidade virtual mais que um cinema
high-tech?
Imersão total, sem sinais conflitantes, ajuda. No meu
caso, a única coisa talvez fora de lugar era a voz dos meus amigos – mas como
crescemos acostumados com vozes despersonificadas saindo de alto-falantes e
fones de ouvidos, então o som da sala era perfeitamente plausível.
Mas imersão não basta. O que torna real - natural,
incontestável e irresistível – o que de outra forma seria virtual é que o novo
mundo responde às suas ações.
A tecnologia transformadora está nos sensores no
capacete e controles remotos, que, exatamente como os dos seus ouvidos, dedos e
braços, monitoram a sua posição e repassam os dados ao sistema. A impressão é
que a tecnologia vem até você; a realidade é que você passa a fazer parte dela.
Suzana
Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).
Fonte:
coluna jornal FSP