Uma confusãozinha aí': como 'o mercado' viu os atos golpistas de
8/1.
"Não torço para A ou para B, apenas por um país
melhor", diz Victor Oliveira, 34, um dos chefes da gestora de
investimentos Grão, na Vila Olímpia, perto da famosa avenida Brigadeiro Faria
Lima, na zona sul de São Paulo.
"Não é que o mercado não ligue para radicalismos",
pondera o ex-sócio do Banco Modal a respeito dos atos golpistas de 8 de janeiro
— uma "manifestação", segundo sua expressão —, que não abalou
cotações e preços pois "o mercado" não acreditaria na possibilidade
real de ruptura institucional.
Oliveira não está sozinho. "Não vai ter golpe", avalia
também Matheus Spiess, analista da Empiricus.
O assunto parece não ter abalado as imediações da Faria Lima,
onde profissionais do mercado financeiro fugiram dos pedidos de
entrevista do TAB, como de alguém que vendesse poesia na rua.
No que estamos realmente de olho é nas indicações dos
ministérios", diz o head de alocação da Grão, referindo-se ao início do
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Nos impactos
fiscais que elas podem causar." Quase 60 anos atrás, dizia-se na imprensa
que o mercado ia bem, com dólar em baixa e ações brasileiras em alta, por
"motivos políticos".
Era 7 de abril de 1964, uma semana após o golpe
militar que derrubou o presidente João Goulart e deu início a uma ditadura que
duraria 21 anos.
Após os atos de 8 de janeiro, a reportagem tentou conversar com
profissionais do mercado financeiro na Faria Lima, e abordou quatro operadoras
de investimentos e sete influenciadores de finanças para saber como "o
mercado" está vendo os acontecimentos políticos e o primeiro mês de
governo Lula.
Quase ninguém aceitou dar entrevista. "Como é um tema
sensível, estão evitando comentar, desculpe", justificou a assessoria de
imprensa de uma das empresas.
Tema sensível
"O que mexe com o mercado? Primeiro, a questão de o Lula
entrar", diz a influencer Carol Dias, 34, do canal "Riqueza em
Dias".
"Porque é uma nova equipe econômica, com o [ministro Fernando]
Haddad, que não é particularmente experiente na área", justifica Dias,
ex-panicat que tem 7 milhões de seguidores no Instagram, 263 mil inscritos e
mais de 14 milhões de visualizações no YouTube.
A influencer conta que esperava uma queda na Bolsa no dia seguinte
à invasão violenta das sedes dos Três Poderes, em Brasília, mas isso não
ocorreu: o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, teve leve alta de
0,54%.
"Não caiu porque a Bolsa já esperava aquilo. Já estava precificado
que poderia haver problemas no governo Lula", avalia.
Ela considera
"lamentável" o que ocorreu em Brasília mas questiona quem foi
realmente o responsável, assumindo como possível a fake news divulgada em
grupos bolsonaristas, segundo a qual a depredação partira de "infiltrados".
"Sou contra esse tipo de coisa, bolsonarista, lulista. Não sabemos de fato
quem são as pessoas que estiveram ali."
Na realidade, já foram
identificados diversos participantes dos atos bolsonaristas.
Para Dias, questões políticas não são responsáveis por oscilações
no mercado. Questões como o rombo milionário das Americanas, sim.
"Tem que
ser investigado com muita calma", diz. "É uma fraude contábil que
trouxe medo ao mercado. Ninguém esperava essa situação e ninguém sabe o que
está por vir."
Oliveira concorda que foi inesperado. "Era um empresa com
balanços auditados na Bolsa, emissão de ratings das quatro maiores auditorias
do mundo, fiscalizada pelo CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e pelo
governo. Tinha tudo para que ela operasse de maneira correta."
'O pior do ser humano'
De dez influenciadores de finanças com milhares de seguidores no
YouTube, apenas dois citaram os acontecimentos na Praça dos Três Poderes nos
seus vídeos.
No domingo (15), Fernando Ulrich, do Liberta, um dos escritórios
de investimentos da XP, publicou um vídeo em que diz não gostar de abordar
política, "porque política é algo que extrai o pior do ser humano".
"Quando entendi o que estava acontecendo, as invasões, a depredação, e que
o governo conseguiu controlar a situação ainda no domingo, logo deu para ver
que não haveria maiores efeitos no mercado", disse o economista, que tem
538 mil inscritos no YouTube.
Já Raul Sena, do canal "Investidor Sardinha" (680 mil
inscritos), abriu o vídeo do dia 10 citando "uma confusãozinha aí".
"Uma ressaquinha das bravas, um quebra-quebra. Imagino que o pessoal em
Brasília amanheceu com mais dor de cabeça do que eu quando invento de tomar
uísque na sexta-feira", brincou.
"O povo pensou que a Bolsa ia cair
depois de uma confusão dessas. Só que aí o mercado financeiro, mostrando seu
bom senso de sempre, falou: 'Ah, meia dúzia de prédio quebrado só, a sede da
democracia brasileira. Foda-se isso daí, não importa'."
DANIEL LISBOA – jornalista, TAB UOL