Quanto custa a inteligência?
O custo energético da IA é exorbitante, sobretudo comparado ao custo
comparativamente ínfimo de rodar nossa inteligência natural.
Tem hype demais sobre a tal da inteligência artificial (IA), que nem inteligência de fato é.
Inteligência é
flexibilidade comportamental em prol de valores e preferências; os algoritmos
por aí aprendem, mas uma vez treinados não são nem flexíveis, muito menos têm
valores ou preferências, porque não sentem nada.
Podem até agir, mas não sentem
na carne, ou nos seus transístores, as consequências das suas ações. Não sofrem ou se alegram com os
resultados dos seus atos, muito menos
por antecipação.
E se não sofrem nem se alegram, não estão nem aí com o futuro.
E nada menos humano do que não se preocupar com o futuro.
Mas o problema menos falado é que a
inteligência artificial é estupidamente cara.
Sim, toda nova tecnologia tende
a ser cara, o que atualmente compensa no caso da IA porque existe um valor
enorme de progresso de conhecimento em descobrir as circunstâncias nas quais
redes neuronais conseguem aprender a encontrar sentido em montanhas de dados
sem supervisão.
Só que o custo neste caso não é medido apenas em dólares que
pagam salários e infraestrutura, além de energia na forma de eletricidade.
O
custo energético da IA é, por si só, exorbitante, sobretudo comparado ao custo
comparativamente ínfimo de rodar nossa inteligência natural. IA pode até ser
eficaz, mas eficiente não é.
Basta aritmética simples para
fazer uma comparação significativa. Para começar, o cérebro humano opera com
uma potência —quer dizer, taxa de uso de energia por unidade de tempo— de 22
watts, ou seja, 22 joules por segundo (o que se traduz em cerca de 450 kCal por
dia, em unidades mais familiares).
É muito, muito pouco; um laptop opera a
cerca de 50 watts —o que também já é impressionante, considerando que uma
máquina de lavar roupa funciona a uma potência dez vezes maior de uns 500
watts.
Mas essa aritmética é falaciosa
por ignorar que um cérebro humano adulto só faz o que faz a míseros 22 watts
porque passou literalmente anos sendo treinado, fazendo e errando.
Digamos que
até saber ler uma pergunta de prova por escrito e responder com um parágrafo
escrito, por exemplo, lá se vão 15 anos de treinamento dessas redes neuronais
do cérebro humano, ou um somatório de uns 3.000 kWh de energia usadas ao longo de
5.475 dias de 24 horas a 22 W.
Em comparação, nos míseros dois
meses que a Google levou para treinar o PaLM, sua IA de geração de linguagem, a
empreitada usou nada menos do que 3.400.000 kWh de energia, o suficiente para
manter 300 lares funcionando por um ano.
Ou seja: é mil vezes mais barato fazer
perguntas a um ser humano do que a uma inteligência artificial que nem é tão
inteligente assim; que não está nem aí para sua reação à resposta; e que aliás
vai gerar várias respostas completamente erradas, e você que se vire para
separar o joio do trigo, de qualquer forma.
Acho que vou continuar
preferindo perguntar coisas a pessoas.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).