Visite em sua mente a minha instalação artística
O cérebro nu e o
corpo descerebrado.
Pronto, inventei uma nova modalidade artística: arte mental, que você cria somente na sua imaginação, genuinamente
personalizada como nenhuma outra.
E totalmente gratuita. Basta ter um cérebro.
Você tem, então está convidado à inauguração mundial. É só continuar lendo.
São três salas redondas, interconectadas, mas você
só vê a primeira.
Grande, pé-direito elevado, paredes inteiramente negras
–exceto pelos dizeres pintados em branco, um ao lado do outro, alinhados ao
redor da sala como slides em um carrossel, para quem lembra o que é isso, ou
como cavalinhos no carrossel do parque de diversões.
O chão da sala é de fato
um carrossel: uma plataforma giratória.
Assim que você entra na sala, você é
gentilmente, lentamente, levado em um passeio circular pelas 16 palavras nas paredes.
Ciência. Arquitetura. Limpeza. Manutenção de aviões. Jardinagem. Construção.
Ensino. Economia doméstica. Medicina. Transporte. Cozinha. Inteligência artificial. Literatura. Finanças.
Instrumentação. História. Hmmm.
Há três aberturas na sala, por uma das quais você
entrou, e a qualquer momento você pode escolher sair por qualquer uma delas.
Não há setas ou instruções. Você faz o que quiser.
Você escolhe explorar, depois de dar uma volta
completa e expandir seu espaço mental para quatro salas diferentes: a sala onde
você está, com palavras nas paredes apenas; a sala de entrada, de onde você
veio, visível atrás de uma das passagens; e outras duas salas, que você
vislumbra pelas duas outras passagens nas paredes do carrossel atual, mas não
vê o que é.
É preciso tomar a iniciativa de cruzar de uma sala para
outra, o que leva você de uma plataforma giratória para outra.
Ao redor da nova
sala você descobre 16 instalações, que você inspeciona uma após outra, sem
precisar se deslocar: a sala leva você. São apetrechos usados por pessoas que
exercem funções diferentes –as funções representadas pelas palavras que você
leu na outra sala.
Seu cérebro automaticamente aceita o convite e começa a
casar palavra e objeto. É bastante fácil. Ok, interessante, até divertido. Mas
e daí?
São novamente três aberturas, e assim que você
localiza a passagem por onde você veio, decide explorar outra.
Próxima sala. São novamente 16 instalações, mas
dessa vez você pode descrever todas com as mesmas duas palavras: pessoas nuas.
Todas têm 40-50 anos e estão representadas de pé, em tamanho natural, em
fotografias coloridas de altíssima resolução. Há corpos masculinos, corpos
femininos, corpos transgênero. Pretos, brancos, vários tons de pardo. Gordos,
magros, mais ou menos. Musculosos ou não.
A disposição familiar em carrossel
convida seu cérebro a atribuir função e apetrechos a cada uma daquelas pessoas.
E aqui você descobre que seu cérebro tem opiniões
pré-formadas: sua mente associa facilmente algumas das 16 pessoas retratadas a
certas funções, mas hesita nas outras. Qual é a resposta correta?
Todas, nenhuma e qualquer uma. Nós somos o que
fazemos do corpo e do cérebro que temos.
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).