O problema não é o glutamato


O problema não é o glutamato

Sódio que vem junto é o verdadeiro veneno, se consumido em excesso.

Esta é para os fãs de aji-no-moto (e não, não ganho nada com isso, além de publicamente isentar meu pai do escrutínio familiar): o glutamato que eles polvilham na comida é pinto perto dos baldes de glutamato, relativamente falando, que todos nós já comemos todos os dias. 

E não é porque veneno pouco é bobagem, e sim porque glutamato não é veneno. 

Muito pelo contrário: trata-se do neurotransmissor mais presente no cérebro, e também o aminoácido mais comum em nosso corpo.

Todas as proteínas do corpo são formadas por conjuntos dos mesmo vinte blocos básicos, chamados aminoácidos, arranjados em números e sequências diferentes. 

A forma tridimensional de cada proteína se auto-organiza conforme a ordem e o número de aminoácidos, e dessa forma tem-se a função de cada uma. 

Alguns desses aminoácidos, como o triptofano, o corpo não sabe produzir, então ou eles vem da comida, ou o corpo sofre as consequências da deficiência.


COLHER DE SAL

Outros, como o ácido glutâmico, o corpo bem sabe fabricar conforme necessário —mas são tão comuns nas proteínas de animais como nós, e dos seres que nós comemos, que é normal ingerir diariamente toda a quantidade que o corpo usa.

Glutamato, que é a forma do ácido glutâmico em sal, é o mais comum dos aminoácidos, onipresente em nossa comida e sangue. “Ah, faz sentido que a evolução tenha escolhido justo ele para ser neurotransmissor”, dirão uns.

 “Que ideia de jerico usar algo tão comum para fazer algo tão importante, transmitir sinais no cérebro!”, dirão outros.

Estão ambos errados, e pela mesma razão que torna o glutamato adicionado à comida como tempero perfeitamente inócuo: o glutamato que chega pela digestão e circula no sangue não tem acesso ao cérebro adulto saudável. 

Nadinha. Todo o glutamato que transmite sinais nas sinapses do cérebro é feito ali mesmo, de formas bem menores de carbono e nitrogênio.

Quem garante a segurança do cérebro e das experiências alimentícias são os astrócitos, as células cujos braços ramificados envolvem neurônios e sinapses. 

São os astrócitos que, no começo da vida, instruem neurônios a formar sinapses uns com os outros; também eles reciclam o glutamato usado, e transferem energia para os neurônios proporcionalmente ao glutamato recolhido. 

De quebra, astrócitos fazem os capilares vizinhos se fecharem, de modo que a partir de um ano de idade, só passa para o cérebro o que os astrócitos transferirem eles mesmos. Glutamato do sangue? Nenhum.

O problema de comer glutamato monossódico, vulgo MSG, não está no glutamato, e sim no átomo de sódio que o acompanha —o mesmo do sal de cozinha, cujo excesso, este, sim, os rins tem que se virar para expulsar do corpo.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

 

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