Mais uma não especialidade
humana: menopausa
Em reserva em Uganda, chimpanzés fêmeas vivem até 65 anos; e têm
menopausa.
Eu tenho que me controlar para não revirar os olhos quando me
vêm com a velha cantilena de que humanos são especiais.
Cérebro aumentado,
infância anormalmente longa, longevidade expandida a ponto de termos menopausa e avós dedicadas em nossa espécie, que não mais
se reproduzem, apenas cuidam da prole da sua prole.
E tudo isso supostamente
devido a uma "vantagem evolutiva" de nossos antepassados sortudos
comparados aos seus oponentes. Se tudo is
Não é vantajoso –e não acontece só em humanos.
Aceitar premissas em vez de questioná-las é sempre o caminho
mais fácil, e elas se autopropagam.
Meus colegas que o digam, cujas pesquisas
dependem da validade da tal premissa de exclusividade humana, que já demonstrei
ser incorreta.
A suposta extensão da vida humana também vem de outra premissa
incorreta: de que tudo na vida fica mais devagar conforme o corpo aumenta de
tamanho, o que, em geral, vem com metabolismo mais lento.
O crescimento fica
também mais lento, a infância dura mais tempo, o fim chega mais tarde.
Nesse
caso, seria de se esperar que humanos tivessem vida mais curta do que gorilas,
cerca de duas vezes maiores do que nós.
Mas não: nós, humanos, vivemos hoje em dia de 20 a 40 anos
mais do que gorilas –que, aliás, costumam morrer ainda em idade reprodutiva.
Ou
seja: gorilas podem ser mães até o fim; humanas mais velhas somente podem se
tornar avós, mas mães não mais.
Esse período supostamente misterioso de vida não reprodutiva, em
"menopausa", é um dito "mistério evolutivo": um fenômeno
sem função conhecida –porque quase 10 entre 10 biólogos aceitam a premissa de
que tudo o que existe deve ter evoluído "para" ter uma função, ou não
constituiria uma "vantagem" evolutiva.
Antropólogos, então, foram à luta arranjar uma função para a
menopausa. E arranjaram de fato: "cuidar dos netos", quando o próprio
útero já não mais se ocupa de cria própria.
A história foi bem até uma equipe de antropólogos de várias
universidades nos EUA se meter a estudar por mais de 20 anos uma população
grande de chimpanzés em uma reserva em Uganda.
Os resultados acabaram de sair
na revista Science.
Naquela população, as fêmeas de uns 50 anos não mais se
reproduzem, como chimpanzés em outras localidades.
Mas, surpresa: seja por
falta de leopardos (cortesia da caça por humanos), seja por abundância de
frutas, seja por algum outro azar de sorte, as fêmeas da comunidade Ngogo de
chimpanzés vivem até os 65 anos.
Ou seja: têm menopausa.
Mas não ajudam suas filhas, porque as fêmeas deixam a comunidade
ao se tornarem adultas. Tampouco cuidam da prole dos seus filhos, ainda na
comunidade.
Não: chimpanzés na menopausa vivem... porque podem, eu diria.
Chimpanzés são a espécie com o terceiro maior número de
neurônios no córtex cerebral, o qual, este sim, prediz longevidade
impressionantemente bem.
Em consequência, aquelas espécies mais longevas, com
muitos neurônios corticais –como baleias, chimpanzés e nós, humanos– são as que
têm o privilégio de passar pela menopausa. Simples assim.
E para que serve a menopausa? Para o que a gente quiser e
puder fazer, oras. Neurônios para arranjar interesses –inclusive cuidar dos
netos– não nos faltam.
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).