Poderemos, sim, passar fome ou
ficar sem tratamento médico se as chuvas extrapolarem a média.
O
caos –como o que vitimou São Paulo nesta segunda-feira (10), deixando partes da cidade submersas, e muitas pessoas
ilhadas e isoladas– também nos dá algumas lições, inclusive para nossas relações de consumo.
Já
que o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), que ironicamente começamos a
pagar, não nos garante um mínimo de segurança em nossas casas
e ruas, se possível há que ter sempre na despensa comida e água, e agasalhos no
armário, pois muitas pessoas passaram fome e frio no meio da enchente.
A
propósito, quem teve imóvel afetado pela enchente em São Paulo pode solicitar
isenção no IPTU do ano que vem.
Quem
tiver um carro, não pode abrir mão do seguro, e deve ler bem as letrinhas do
contrato, a fim de assegurar que, se o perder no meio d’água, receba o valor
contratado. A maioria das apólices cobre os danos causados pelas enchentes.
Mas, atenção: se o motorista tentar atravessar um alagamento, não haverá
indenização para eventuais danos provocados pela inundação.
Da
mesma forma, devemos pesquisar e comparar preços de produtos afetados pela
chuvarada, como os hortigranjeiros.
Até
segunda-feira (10), havia a impressão generalizada de que, com dinheiro no
bolso ou na conta-corrente, não ficaríamos sem produtos básicos –como já
observamos, água, comida e remédios.
Agora,
sabemos que poderemos, sim, passar fome ou ficar sem tratamento médico se as
chuvas extrapolarem a média.
Além
de entregadores de motocicletas, bicicletas e outros veículos, os comércios
terão de contar com drones. Também aprendemos, a duras e molhadas penas, que
aplicativos de transporte podem falhar se dos céus baixar mais água do que a
maior cidade da América do Sul suporta.
O
Brasil não costuma enfrentar fenômenos naturais destrutivos, como furacões,
tornados, nevascas e tsunamis. Chuvas intensas e secas, contudo, estão no
cardápio anual. Já havíamos sentido o risco de desabastecimento durante a greve dos caminhoneiros, em maio de
2018.
Desta
vez, tivemos a maior quantidade de chuva em 37 anos no mês de fevereiro, em uma
megalópole com ilhas de calor, repleta de asfalto e com pouca arborização.
Não
há dúvida de que teremos de nos virar para evitar danos maiores no futuro.
Esqueça os governos! Eles funcionam muito bem como coletores de impostos, mais
nada.
É
bem possível que as coletividades tenham de fazer mutirões para limpar arroios
e córregos, inclusive bocas de lobo. Contribuirão ainda mais os que não jogarem
lixo nas ruas e em terrenos baldios. Além disso, podemos e devemos cobrar mais
piscinões e a remoção gradativa do asfalto das ruas, que deveria ser
substituído por pisos permeáveis.
Pintar
os telhados de branco, por outro lado, ajudaria a reduzir a temperatura média
das grandes cidades, como defende a campanha One Degree Less (um grau a menos),
ignorada pelos políticos e gestores públicos brasileiros.
Temos
de repensar, também, o que consumimos. Avaliar de que forma nossos hábitos –inclusive
os eleitorais– intensificam os danos de uma chuvarada recorde. Por exemplo, ao
escolher os candidatos à Câmara e à Prefeitura Municipal, levamos em conta a
visão deles em relação à ocupação e impermeabilização do solo, e à canalização
de rios? Cobramos providências contra lixões a céu aberto? Destacamos a
necessidade de incentivar o reuso da água?
O
consumidor pode ser parte do problema ou da solução.
Maria Inês Dolci - advogada especialista em direitos do consumidor, foi
coordenadora da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor)
Fonte: coluna jornal FSP